quarta-feira, 6 de agosto de 2014

O atleta bancário

 Vitor Barros Rego


As competições sempre chamaram a atenção dos expectadores que assistem a uma partida de futebol, ou a uma luta de gladiadores. Em tempos de recém fim de Copa do Mundo, pudemos observar o tanto que se dedica à preparação para os jogos. Estes fatos, apesar de esportivos, em muito se assemelham ao cotidiano do trabalho bancário, como o uso de lições de campeões esportistas para tornar o bancário dentro do mesmo “treino”.

No discurso implícito corporativo, vê-se a obrigação de ser um profissional de sucesso, ser brilhante, crescer sempre na carreira, entregando resultados grandiosos, ou melhor, em grandes quantidades.  Para isso, existem os campeonatos internos com as premiações, assim como no esporte, para o que faz mais pontos, ou ganha mais. No entanto, o bancário não participa de apenas uma grande competição de curta duração de tempo, como é a Copa do Mundo, mas sim de uma competição que dura o ano todo, todo dia do expediente e, às vezes, nos sonhos enquanto dorme nos finais de semana.

Outra diferença para o esporte é que há colegiado de juízes imparciais para manter as regras em devido funcionamento. Desta forma, o campeão é o que erra menos. Porém, dentro dos bancos, os juízes – figurados nas avaliações de desempenho e seus avaliadores – julgam apenas a quantidade de resultados, não importando se fez dentro das regras (ou até mesmo dentro da ética). Seria como validar vários gols de mão e/ou em impedimento no futebol. Agora, imagine se você estivesse nesta partida, jogando limpo e visse seu time perder de 5 x 0 com esses gols ilegais. Não é revoltante? Pois é, quem joga dentro das leis se sente desta forma. Ou esta pessoa começa a jogar ilegalmente também, ou a cair em frustração com esse reconhecimento às avessas. E, muitas vezes, são aqueles que fizeram os 5 gols que são os campeões dentro dos bancos.

O atleta bancário não tem a mesma regalia dos atletas do esporte: a hora de parar. Por ter sido exigido aos limites do corpo físico, o esportista tem a compreensão quando decide se aposentar com seus 30, 35 anos de idade, já que não consegue mais ter a mesma competitividade de antes. Ou seja, não há tantas cobranças para que não cesse a carreira. Já o bancário, que tem seus esforços cognitivos elevados, não pode parar, nem mesmo tirar os 30 dias de férias a que tem direito, pois há forte pressão para tirar apenas 10 dias.

Ao contrário do esportista, o bancário só pode aposentar (como bancário) quando chegar o tempo estipulado pelas leis trabalhistas, a não ser que queira encarar perda financeira mensal. No entanto, pelo tanto de competições que já participou seu corpo fisicamente já não aguenta. Como o reconhecimento só vem com quantidade de resultados, aquele que já tem 15, 20 anos de banco não consegue ter o mesmo ritmo, sendo cada vez mais empurrado para serviços muito abaixo de sua capacidade. Essa violência moral configura forte indício para as recentes tentativas e ideações suicidas de bancários que estão em acompanhamento psicológico desde 2008 no Sindicato. E, para agravar esta triste constatação, estes bancários já foram campeões em seus bancos. Por que fazer isso com os melhores?

No exército, a regra em guerra que se ensina é que, se o líder daquela investida perceber que um soldado não está bem, ele é recuado para que os demais o proteja, fazendo melhor ataque do pelotão, do coletivo. No entanto, parece que a proteção/compreensão daquele debilitado não existe dentro de banco, muito pelo contrário, há a ridicularização deste e, como punição, pega os piores trabalhos.

O atleta bancário, desamparado deste reconhecimento dos esforços investidos, resta no enfrentamento destas competições com suas estratégias defensivas para sua saúde mental: com remédios, ansiolíticos, academia, bebidas, cigarros... Fato é que o enfrentamento é solitário, pois não há como achar cooperação em ambiente laboral tão agressivo para as boas relações humanas. Assim, concluo que as competições dentro dos bancos estão longe de um nível motivacional, mas muito mais próximas da degradação das relações entre as pessoas, restando a insensibilidade, o cinismo e a frieza.

Vitor Barros Rego é psicólogo da Clínica do Trabalho do 
Sindicato dos Bancários de Brasília/DF

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