domingo, 17 de fevereiro de 2013

O empobrecimento do RH!

 "Como podem as rãs discutirem sobre o mar se nunca saíram do brejo? Como poderei falar do céu com o pássaro do verão se está retido em sua estação? Como poderei falar com o sábio sobre a vida se é prisioneiro de sua doutrina?" - Chuang Tsé - IV AC

 Há umas décadas atrás, a área de RH passou a ser entendida como composição de dois núcleos distintos, Administração de Recursos Humanos e Desenvolvimento de  Recursos Humanos. Como Administração de RH, entendem-se as atividades que tem no fundamento legal suas bases e, como Desenvolvimento de RH, entende-se como o “laboratório” de projetos de gestão de pessoas. O núcleo de Administração de RH tem como escopo principal o processamento da folha de pagamento, o recolhimento de impostos e de encargos sociais, a organização da documentação e registro de empregados e, em muitas empresas, a organização das atividades de Medicina e Segurança do Trabalho. Já o núcleo de Desenvolvimento de RH tem como escopo principal o processo de criação com sustentabilidade técnica e respeitando, quando necessário, as questões legais. Em função das  questões legais que envolvem o trabalho, da administração das relações sindicais e do avanço da tecnologia, o núcleo de Administração conseguiu a evolução profissional e técnica de seu povo e se mantem "antenado". 

Em Desenvolvimento as porteiras estão sempre abertas para ideias e projetos em Treinamento, Recrutamento e Seleção, Remuneração, Comunicação e Benefícios e temas pertinentes. Com a prática “aloprada” da reengenharia e de outros gurus da década de 90, organogramas vieram abaixo. Nem me atrevo a comentar da reengenharia da reengenharia, que ocorreu alguns anos mais tarde, quando, notadamente, empresários brasileiros empenharam fortunas para recuperar fortunas empenhadas.

Com essas e outras, as atividades de Treinamento e Recrutamento e Seleção foram as primeiras a sofrerem o processo de outsourcing, ou seja, terceirização. Profissionais dessas áreas, formados em longos anos de batalha diária, tornaram-se ou empregados de consultoria ou prestadores de serviços para as empresas de origem. Muitos e bons profissionais de Remuneração também debandaram. A área de Desenvolvimento ficou reduzida ao mínimo necessário no entender de cada empresa. Profissionais que antes lidavam com o dia a dia de suas empresas e desenvolviam suas ideias e seus projetos através de conhecimento próprio e/ou empírico, pesquisas na web (quando surgiu) e/ou em literatura disponível e cursos realizados, hoje não mais existem na maioria das empresas. Em compensação, a disposição do RH para organizar festinhas de celebração de “tempo de casa”, aniversariantes do mês, confraternização de final de ano e convescotes afins continuam a todo vapor.

Basta frequentar qualquer rede social de RH e reparar quando o assunto é o entendimento de uma questão legal da área trabalhista, proliferam participações e troca de opiniões e o interesse em entender o tema é notório. Muitos debatem e participam. Agora, basta colocar um tema de Desenvolvimento para debate que a frequencia de participantes é mínima com um ou outro comentário e, passados dois, três dias o assunto morre.

Por que o povo de Desenvolvimento não debate? Mesmo nas redes profissionais taxadas como de alto nível, os grupos formados no segmento de RH pouco debatem. O que mais se vê são psicólogas recem formadas desesperadas pedindo soluções imediatas para assuntos complexos de gestão de pessoas. Certa vez comentei que o Conselho Federal de Psicologia deveria incluir no currículo de formação todos os sub processos de RH. Assim, quem sabe, diminuiria a “síndrome dos pedintes”. Vemos pedidos simplórios como “modelo de carta de comunicação de aumento salarial” até “meu chefe mandou implantar o RH. Como começo?”. A justificativa que agora embasa os pedidos é para fazer “benchmark”.     Pode-se fazer “benchmark” de modelo de carta?

Há pouco tempo atrás, através de pesquisas e viagens na web, editei um post resgatando um artigo escrito em 1979 em um Congresso de RH realizado na cidade de Florianópolis, que se repetiria em 1982 na cidade de Goiânia.. O autor do artigo e da palestra é o hoje consultor César Souza, na época Assessor da Presidência da Odebrecht. O título? Vamos demitir o Gerente de RH. Indo alem do título provocativo, o que César pregava era uma nova postura em gestão de pessoas. Um novo padrão de gerente e de gestão de RH. Boa parte das ideias do David Ulrich, o principal guru de RH da atualidade, estão ali expostas. Há 30 anos atrás.

Há alguns dias, postei o artigo em uma rede esperando um bom índice de participação e debates e nada. Nenhuma opinião a respeito. Presumo que muita gente acessou o link para ler o artigo atraído pela provocação do título. Participo, mais como leitor do que como “opinador”, de muitos grupos de RH da América Latina e da Espanha. A participação em qualquer assunto é intensa. O que aconteceu com os nossos profissionais de Desenvolvimento que raramente expõem suas opiniões de maneira clara e objetiva?  Creio que o empobrecimento do RH tem como ator principal o dirigente que nada exige e/ou desconhece o que poderia ser feito e como ator coadjuvante o RH passivo que acha ótimo quando o “chefe manda implantar o RH”. Pode-se um dia falar em RH estratégico em uma empresa como essa?

Comentário Incidental: Hoje em dia rótulos separam e classificam pessoas e gerações em categorias e gurus ensinam como administrá-las. Geração X, Y, Baby Boomers e/ou Slacker.  Termos utilizados para demografiaciências sociais e marketing, agora utilizados em gestão de pessoas. Tratando-se da Geração Y, o ápice da atualidade, será que todos os formandos recentes tem um comportamento típico da categoria em que foram enquadrados? Todas as universidades preparam, desenvolvem e formam uma Geração Y? Uma universidade que não permite a formação de centros acadêmicos para impedir/minimizar a mobilização estudantil pode formar uma geração engajada e com senso crítico? A universidade tem a obrigação suprema com a sociedade, de gerar talentos humanos alinhados e preparados para o mundo, com poder de ingerência e capacidade de transformação da realidade econômica, social, cultural e tecnológica atual e emergente.

O núcleo de Desenvolvimento de RH deve ser, essencialmente, um Facilitador (termo emprestado dos processos de gestão da qualidade) e possuir inteligência aguçada para todas as coisas.  Deve fazer do conhecimento sua maior competência e estar sempre disposto à aquisição de novos saberes, à ampliação da criatividade e à percepção de ideias e novas oportunidades. Novos saberes podem propiciar a reformulação de conhecimentos anteriores mal estabelecidos. Deve participar ativamente da ampliação da competitividade da sua empresa, romper com passados que não retornarão mais, construir ambientes e cenários favoráveis ao seu crescimento e ao crescimento coletivo e abandonar comportamentos autoritários. Deve, ainda, aprender diariamente com os demais colegas de trabalho, entendendo que a qualidade tem importância primordial para si e para a empresa. Deve aproveitar a mesmice e a escassa literatura e desenvolver novas concepções e metodologias em todos os sub sistemas de gestão de recursos humanos/pessoas.

Carlos Alberto de Campos Salles
Consultor de Recursos Humanos
Aposentado e sempre Independente