Entrevista publicada na revista Programação - SUCESU (Sociedade de Usuários de informática e Telecomunicações) de São Paulo, em fevereiro de 2001
Um sistema de gerenciamento de competências abrange uma das áreas do gerenciamento de conhecimentos. Ele visa armazenar dados sobre as competências de profissionais, a fim de permitir a seleção dos que satisfazem a certas combinações de competências requeridas na formação de equipes de projeto, no preenchimento de cargos, no planejamento de treinamento e outras aplicações.
A revista Programação da Sucesu-SP entrevistou o Professor Valdemar Setzer, do Departamento de Ciência da Computação da USP, consultor que desenvolveu conceitos novos sobre essa área e orientou o projeto de sistemas gerenciadores de competência em grandes empresas como a PROMON e a PRODESP.
Sucesu: Quais as maiores vantagens que o sistema de gerenciamento de competências propicia para a empresa que o implanta ?
Professor Valdemar Setzer: O sistema permite um levantamento sistemático e o armazenamento em banco de dados das competências dos funcionários nas áreas que interessam à empresa. A partir deste levantamento, pode-se fazer uso das informações para várias finalidades como, por exemplo, no preenchimento de cargos ou na formação de equipes de projeto, ou mesmo para se descobrir quem tem competência em determinado assunto para poder ser consultado. O computador compara as competências que cada funcionário tem e seleciona aqueles que detenham uma combinação desejada de competências, dando assim uma indicação dos profissionais procurados. Existem inúmeras aplicações para um tal sistema. Dentre uma das possíveis interessantes eu posso imaginar o uso no ensino público. A Secretaria da Educação do Estado deve ter centenas de milhares de professores; assim, quando surge uma vaga, surge também o problema de selecionar qual são os professores que melhor poderiam preenchê-la levando em conta as características desejadas para ela, inclusive em termos de locais de preferência dos professores.
S: Até que ponto a tecnologia influencia na escolha de determinado candidato ?
PVS: Minha filosofia é a seguinte: o computador deve fazer uma simples indicação. Em seguida, deve-se passar ao estágio de examinar currículos, fazer entrevistas, etc. O computador serve para fazer uma triagem; depois, a seleção final deve ser sempre feita manualmente pois envolve fatores muito subjetivos e qualitativos. Eu acho que, lidando com seres humanos, nunca se deve eliminar os fatores subjetivos, sob pena de tratar as pessoas como máquinas, o que acaba redundando em graves problemas individuais e sociais.
S: Como foi realizada a implantação deste projeto na PRODESP e quais as diferenças quando comparado ao desenvolvido na PROMON ?
PVS: Na PRODESP este projeto está acabando de ser desenvolvido. A primeira versão, da PROMON, foi muito simples. Agora, na PRODESP, ele está um sistema realmente profissional. Nós podemos fazer várias classificações diferentes sobre as competências. Bom, primeiro vamos definir alguns conceitos: em minha conceituação, competência é a confluência de uma habilidade numa área de conhecimento. Tomemos, por exemplo, a área de conhecimento "inglês". As diferentes habilidades seriam, nesse caso, saber ler, falar, escrever, entender a língua falada, traduzir, etc. Essas mesmas habilidades aplicam-se a todas as línguas estrangeiras. Por exemplo, em termos dessas línguas, uma outra área de conhecimento seria o espanhol, mas as habilidades são as mesmas que para o inglês e para e todas as outras línguas estrangeiras de interesse. Isto resulta em uma matriz de competências em línguas estrangeiras, onde as áreas de conhecimento estão nas linhas e as habilidades nas colunas. Em cada célula da matriz lança-se um grau de competência do profissional. Na PROMON, eu tinha uma única matriz que era a matriz de TI; na PRODESP introduzi várias generalizações: um número qualquer de matrizes, com um número variável de áreas de conhecimento, habilidades, e graus de competências. Agora o sistema ficou muito mais geral. Na PRODESP temos 5 matrizes: de TI, de sistemas específicos desenvolvidos pela empresa, de competências administrativas, de línguas estrangeiras e de formação. Também foi introduzido um fator sistemático de obsolescência, o que é muito importante em TI.
S: Qual é a maior dificuldade encontrada na implantação de um projeto como este ?
PVS: Existe a dificuldade, evidentemente, de desenvolvimento de qualquer sistema de informática, enfrentando-se a miséria do software complicado, cheio de truques e de situações inesperadas. Além disso, não é fácil levantar as áreas de competência, as habilidades e os graus de competência adequados, sem exagerar. Mas agora acho que já tenho alguma "competência" nisso… Fora isso, a grande dificuldade é fazer o levantamento das competências dos profissionais. Na PRODESP, como são mais de um milhar, cada profissional está fazendo o seu próprio mapeamento, para que em seguida os supervisores de área façam uma verificação e uniformização. No fundo, o sistema de competências levanta um currículo sistematizado de competências, e os profissionais ficam muito interessados nesse aspecto, gostando de participar do levantamento.
S: O que falta para que um maior número de empresas passe a utilizar um sistema de gerenciamento de projetos ?
PVS: Em primeiro lugar, divulgação, e agradeço esta oportunidade. Em segundo, as empresas têm que se conscientizar da utilidade de um sistema de competências como este, mas isso evidentemente é só para empresas grandes. Com 50 funcionários as competências de cada um são suficientemente conhecidas, mas quando existem centenas de funcionários é preciso armazenar essas informações e usá-las automaticamente na seleção. Infelizmente, muitas empresas usam no máximo currículos em forma de texto, o que não permite uma seleção automática. Conheci uma empresa há dois anos atrás, com 700 cargos de gerência. Quando um cargo vagava, era usado um relatório impresso de 200 páginas para se tentar achar um profissional adequado. Naquela época eu tive a idéia de fazer um sistema para projetar com um canhão de vídeo o organograma da empresa numa reunião da diretoria, mostrando os cargos vagos. Selecionando-se um destes, ao qual estariam associadas as necessárias competências, o computador poderia indicar alguns dos profissionais que melhor preencheriam esses requisitos. A diretoria selecionaria um deles, o que talvez gerasse uma vaga em um outro cargo, e assim por diante. Só que eu não tinha idéia de como armazenar as competências e selecionar os candidatos. Agora eu a tenho, e também o sistema. Falta uma empresa interessar-se no desenvolvimento no módulo de projetar o organograma e associá-lo ao sistema de competências para a indicação do preenchimento dos cargos vagos…
S: Os dados obtidos através do mapeamento de competências são exclusivamente para uso interno das empresas ?
PVS: Não, o sistema de gerenciamento de competências pode ser aplicado de forma tal que torne a consulta aberta. Por exemplo, já houve um interesse do SENAI neste sentido. Eles contam com centenas de instrutores dos mais variados cursos que também prestam consultoria para empresas. Assim sendo, além da seleção dos instrutores para os cursos poderia ser implantado ali um Call Center que usaria o sistema de competências. A aplicação seria assim: a empresa interessada telefona e diz o tipo de profissional que procura, lista os conhecimentos desejados e recebe o nome e o telefone dos instrutores que mais se aproximam do perfil solicitado. Tudo isso poderia ser obviamente feito pela Internet; aliás, estamos na fase de conversão do sistema da PRODESP para a sua Intranet.
Espero que na PRODESP o sistema de competências passe e ser usado também para promover um intercâmbio de conhecimentos. Suponhamos que um profissional vai começar a estudar uma nova técnica ou um novo sistema. Após consultar o sistema de competências, poderá contatar outras pessoas que já realizaram estudos ou já têm experiência sobre os assuntos desejados, que poderiam ajudá-lo no melhor desenvolvimento de seu projeto.
O que estamos fazendo é divulgando sistematicamente o conhecimento de cada profissional para toda a empresa. Na PRODESP desenvolvemos um sistema de segurança, em que qualquer pessoa poderá selecionar os profissionais que preenchem uma combinação de competências, mas não poderá consultar o currículo de competências de cada profissional. Esse currículo só está disponível ao próprio profissional e aos supervisores de equipe, já que contém informações particulares e por isso sigilosas.
legal
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