quarta-feira, 23 de março de 2011

Usina de Jirau versus Gestão de Pessoas versus BBB11

Há pouco mais de duas semanas, o noticiário informou uma revolta de funcionários em uma grande obra de construção da Hidrelétrica de Jirau, em Mutum-Paraná, distrito localizado a 160 quilômetros de Porto Velho. A princípio, foi apenas a queima de um ônibus de transporte de trabalhadores após uma discussão entre o motorista e um passageiro.
Alguns dias depois, mais de 50 ônibus e veículos diversos foram queimados assim como casas do alojamento. Houve saques no comércio local. O Consórcio responsável pelas obras da hidrelétrica, ESBR - Energia Sustentável do Brasil, tem a seguinte composição: Suez Energy, grupo francês (50.1%), Eletrosul (20%), Chesf (20%) e Camargo Correa (9,9%).

Segundo o noticiario, uma das empreiteiras contra as quais se insurgiram os trabalhadores é a Camargo Correa. Após mais alguns dias de informações controvertidas, tudo indica que um dos fatores que levaram à rebelião foi a agressão de funcionários terceirizados a um trabalhador contratado. Foi o que faltava para as emoções virem à tona e do enorme descontentamento entre os trabalhadores da obra. De acordo com o jornal eletrônico “Tudo Rondônia”, as principais fontes de descontentamento foram o corte de vantagens (hora-extra, adicionais e outras), o assédio moral, a violência física, a péssima comida e os “preços exorbitantes no canteiro de obras” (http://www.tudorondonia.com/).

Os trabalhadores da Usina de Jirau começaram a deixar o canteiro de obras da hidrelétrica na manhã do 17/03/11. Eles carregam malas e mochilas e dizem que não há mais nenhum alojamento ou escritório em pé. Outras 30 instalações da usina foram danificadas, segundo a Secretaria da Segurança de Rondônia. Eles reclamam das condições de trabalho, que há trabalhadores morrendo de malária e reivindicam aumento de salário. Agora, eles reivindicam também transporte para chegar a Porto Velho.

Esse foi um resumo do cenário de guerra na Usina de Jirau. Do ponto de vista gestão de pessoas, vamos entender que, para promover um assentamento de quase 20 mil trabalhadores (e famílias para os casados), praticamente “no meio do nada”, não é tarefa para amadores. Houve um processo de recrutamento e seleção da grande maioria dos trabalhadores, pois, entendo que boa parte dos gestores e cargos de nível superior vieram de outras obras. O nome que “puxa a fila” é o da empreiteira maior, Camargo Corrêa. No início de 1980, a Camargo Correa construía a Usina de Tucuruí, no Pará. A proprietária da obra, Eletrobrás/Eletronorte, não vinha honrando com os compromissos financeiros já há algum tempo. A Camargo Correa comandava a obra e possuía um quadro efetivo (não terceirizado) também de aproximadamente 20 mil trabalhadores. Bastou uma ameaça de demissão em massa, em plena floresta amazônica, para a Eletrobrás/Eletronorte pagarem todos os atrasados. Nessa época eu trabalhava na área de RH da Eletronorte e os problemas de administração e gestão de trabalhadores em Tucuruí nunca foram de relevância. Apenas casos rotineiros, típicos de um canteiro de obras.

Fiz esse comentário de Tucuruí para poder entender o processo de Jirau. De uns anos para cá, a situação mais comum nos canteiros de obras civis é a terceirização de mão de obra. Uma empreiteira maior contrata o mínimo possível para o gerenciamento da obra (engenheiros, administrativos e técnicos) e o mínimo possível de trabalhadores de canteiro de obras para apoio aos terceirizados. Esses 20 mil trabalhadores de Jirau estão pulverizados em diversas subempreiteiras. A mídia em geral só conhece a Camargo Correa e tudo de ruim que acontece cai em cima da mesma. Essa é a tendência da contratante de subempreiteiras. Se um prédio cai quando atingiu o 10º andar de construção e no canteiro atuam várias subempreiteiras, a culpa é da empreiteira maior. Nunca do Zé Empreiteiro. É sempre assim. Responsabilidade não de terceiriza.

Em processos de gestão de pessoas, será que as subempreiteiras falavam ou falam a mesma língua da Camargo Correa? Administram, tratam, recrutam, selecionam da mesma forma? Não, claro que não. Esse é um dos grandes riscos das empreiteiras maiores quando não atuam diretamente na gestão do pessoal de canteiro de obras, sejam terceirizados, sejam do quadro efetivo. Uma vez, uma empreiteira maior ofereceu  a um subempreiteiro que estava com dificuldade de contratar pedreiros, um curso de formação de pedreiro para os ajudantes indicados pelo subempreiteiro. A resposta por si só espelha bem o estilo de gestão de pessoas do mesmo: ”E quem vai me pagar a hora parada dos ajudantes?”.

As informações que chegam, com certeza por vezes “aumentada”, dão conta que os trabalhadores de Jirau estão em situação de exploração, salários baixos (a questão salarial é fruto do pagamento do piso da categoria, os trabalhadores qualificados costuma ganhar o piso e mais um bônus de produtividade), longas jornadas, péssimas condições de trabalho, epidemia de doenças, atendimento inadequado de saúde, transporte de péssima qualidade e falta de segurança.

Geralmente o suporte de gestão de pessoas de um canteiro de obras está centrado na implantação de serviços de administração de pessoal, segurança, enfermagem e medicina do trabalho e serviços básicos de recrutamento. Profissionais experientes, da Unidade Central, dão atendimento e consultoria interna a todos os canteiros de obras da empreiteira através de visitas regulares e/ou à distância.

Será que visitas regulares suprem todas as necessidades de um canteiro de obras? Entendo que canteiros menores e mais urbanos sim, mas, canteiros do porte de Jirau não. É necessário um gestor/profissional de RH, experiente e “bom de serviço”, que atue diretamente nos grandes canteiros, que desça diariamente no local de execução das obras, que converse regularmente com os trabalhadores, que ouça tudo que eles têm a dizer, que se reúna com os responsáveis para troca de informações, que dialogue sem hora marcada com o sindicato local, que promova estudos de melhorias constantes em todos os processos de gestão de pessoas, que fiscalize, oriente e acompanhe os modelos de gestão de subempreiteiros e que, como se diz na gíria, “bote a bota no barro”!. Em outras palavras “frequente o chão de fábrica”!.

No mundo dos canteiros de obras, programas de retenção de talentos não pode dizer respeito somente aos engenheiros e outros cargos de formação técnica. Na atual escassez de mão de obra qualificada que vivemos, reter um carpinteiro, um pedreiro ou um armador competente é de extrema importância. Pense nisso.

Anos atrás, assim como a TAM revolucionou o status quo da aviação com um programa de atendimento ao cliente diferenciado, a Método Engenharia também inovou com um atendimento diferenciado aos trabalhadores em seus canteiros de obras.

O momento é propício para uma revisão de conceitos e uma releitura de gestão de pessoas em obras civis para que casos como os da Usina de Jirau não se repitam.

Como já escrevi uma vez, "em gestão de pessoas não existe limites, só possibilidades!"

A propósito, como o BBB11 aparece mais na mídia do que os graves acontecimentos de Jirau, fiz um apelo publicitário!



Carlos Alberto de Campos Salles
carh.consultoria@gmail.com

3 comentários:

  1. RECEBEMOS HOJE - AQUI EM RESENDE - RJ - TELEGRAMA DA CAMARGO CORREA CONVOCANDO O SR. LUCIANO SOUZA CALIXTO PARA RETORNAR AO TRABALHO EM JIRAU, SOB PENA DE SER DEMITIDO POR ABANDONO DE EMPREGO.
    OCORRE QUE HÁ MAIS DE TRÊS MESES NÃO TEMOS NENHUMA NOTÍCIA DELE. NEM IRMÃOS, NEM FILHOS SABEM DELE.

    ALGUÉM PODE ME AJUDAR?

    SILVIA REIS
    SRMREIS@YAHOO.COM.BR

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  2. Carlos, trabalhei em Jirau por 2 anos, não concordo com algumas de suas colocações. A comida, por exemplo era ótima!!! é importante lembrar que esses acontecimentos tem cunho politico, alguns sindicatos interessados em dinheiro!!! Sou psicóloga, trabalhei lá arduamente, estive sempre junto das pessoas que lá trabalhavam na minha época. Inclusive, trabalhei em um dos projetos mais conceituados de inclusão profissional, digital onde se falava muito de moral, ética e respeito. Infelizmente alguns poucos vandalizaram as estruturas o que ocasionou este grande problema em 2011.

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  3. Cara anônima, de cada 10 acidentes na construção civil, 8 são com terceirizadas. Eu sei que boa parte dos canteiros de obras possuem zonas de excelência, principalmente para os trabalhadores efetivos da empreiteira maior. O tratamento dado aos terceirizados, quase que invariavelmente, fica por conta e risco do sub empreiteiro. Quando o empreiteiro maior quer patrocinar treinamento em hora de expediente, a primeira pergunta que o sub empreiteiro faz é "Quem vai pagar a hora parada". Por aí já disse tudo. Assim como o RH tem a obrigação de pisar no chão de fábrica, o RH de empreiteira tem que botar a bota no barro com mais frequência.

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