Mirian Leitão - Coluna O Globo
Conversei ontem com Benedicto Barbosa da Silva Júnior, presidente da Odebrecht Infraestrutura, da Usina de Santo Antônio, e com Victor Paranhos, diretor-presidente da Energia Sustentável, da Usina de Jirau.
Cada um tem uma explicação, e nenhum dos dois culpa os trabalhadores em si, mas descrevem condições de trabalho que destoam do clima de conflito que levou o governo a convocar a Força Nacional para conter problemas trabalhistas de empresas privadas.
Benedicto Júnior conta que a Usina de Santo Antônio tem a vantagem de ficar bem perto de Porto Velho, a apenas três quilômetros da cidade, e por isso eles mudaram o plano original:
— Tínhamos intenção de trazer de fora pelo menos 70% dos trabalhadores e depois mudamos e contratamos 70% de trabalhadores locais. Isso resolve o problema de moradia. Fizemos o programa Acreditar, que já qualificou 10 mil pessoas, muitos deles do Bolsa Família. E são todos funcionários da empresa.
Já a obra de Jirau fica a 120 quilômetros de Porto Velho, é um canteiro de obra com gente trazida de fora. O que Victor Paranhos conta é que os funcionários também são contratados diretamente. A terceirização existe em serviços bem especializados, como o de proteção do vertedouro:
— Os alojamentos são para seis funcionários em cada quarto, com banheiro e ar-refrigerado. Somos fiscalizados por auditoria internacional independente, e por financiadores. A Energia Sustentável construiu uma cidade, a Nova Mutum, onde moram 800 trabalhadores, e 300 que foram desalojados pela obra, em casas de 85 m e 800 metros de terreno. O restaurante serve refeições de alta qualidade, que tem tido um nível alto de aprovação. E quando eles reclamam de hora extra, é porque querem mais horas extras, como por exemplo trabalhar domingo, quando ganham mais.
Na descrição dos executivos, tudo parece realmente bom, falta apenas explicar por que as obras neste momento estão paradas e milhares de trabalhadores estão de braços cruzados.
Paranhos diz que não acredita em envolvimento dos trabalhadores da obra nos atos de queima de alojamentos ou até assalto:
— Houve um incêndio, e em 20 minutos, com maçarico, arrombaram o banco 24 horas. O estranho é que quando acontecia o incêndio não sumiu um lápis nos alojamentos. Mas houve esse roubo.
Quis saber como ele explicava o fato. Ele disse o seguinte:
— É bom lembrar que a BR-364 é rota do tráfico de drogas; estamos a 150 quilômetros da Bolívia, há um aumento muito grande por aqui de tráfico, tanto de crack como de outras drogas.
É um realidade a proliferação de rotas de tráfico na região amazônica, mas isso, de novo, não explica por que trabalhadores permanecem em greve, dado que as condições são assim tão boas. Paranhos disse que estão ocorrendo negociações entre o Sindicato da Construção Civil de Rondônia e os dois canteiros de obras.
O fato é que jornalistas que foram lá no início da confusão relataram entrevistas com trabalhadores se queixando das condições de trabalho, de terem sido contratados com ofertas que não foram cumpridas, e tudo explodiu após um conflito entre um motorista de uma empresa terceirizada e alguns trabalhadores. É difícil acreditar que tanta insatisfação tenha surgido do nada, ou que um grupo de traficantes tenha desembarcado no canteiro de obras sob olhos de milhares de trabalhadores, encarregados, engenheiros.
Em todos os empreendimentos o setor público está presente de várias formas. Estatais são parte dos consórcios; o governo é o contratante; o BNDES é o maior financiador. No caso do Energia Sustentável, por exemplo, que constrói Jirau, Suez tem 51%; Chesf, 20%, Eletrosul, 20%, e Camargo Corrêa, 9,9%. Portanto, se houve tratamento inadequado em relação aos trabalhadores, é absurdo. E que eles não estão satisfeitos, dá para inferir pelos fatos.
O governo precisa esclarecer melhor e prestar contas à sociedade sobre o que está acontecendo no Rio Madeira. Afinal, além de serem obras feitas com dinheiro público, quando houve conflito, foi chamada a Força Nacional, e um ministro palaciano, no caso, Gilberto Carvalho, foi escalado para resolver o problema em conversas com as centrais sindicais.
Na verdade, as centrais convocadas por Gilberto Carvalho estão caindo de pára-quedas. Os antigos líderes trabalhistas foram para o governo; nas centrais ficaram lideranças que querem ir para o governo e recebem dinheiro público para cobrir parte dos custos. Nas eleições, mesmo ferindo a lei, fazem campanha para o partido do governo. Os trabalhadores dos canteiros não são ouvidos por essa representação neopelega. E numa conjuntura em que há muita demanda por mão-de-obra da construção, eles têm condições de fazer exigências. Há neste momento uma disputa entre sindicatos e centrais para representar trabalhadores que até ontem estavam esquecidos nos canteiros de obras do PAC.
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