terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Responsabilidade do RH nos processos seletivos

A realização de um processo seletivo requer muito mais do que captação de um profissional que atenda às necessidades do contratante. No decorrer da seleção, torna-se imprescindível que tanto a organização quanto o profissional que conduz o processo, notadamente aquele que atua em Recursos Humanos, tenham ciência de que determinados procedimentos podem culminar em processos jurídicos. Isso se torna explicito em casos que tramitam nos Tribunais Regionais do Trabalho e que dão ganho de causa aos profissionais que tenham sido lesados por atos ilícitos. Infelizmente, há casos em que condutas adotadas por quem atua na área de RH são revestidas pela falta de habilidade no exercício da atividade técnica.

Para trazer esse tema à tona - a responsabilidade do RH e da empresa nos processos seletivos, o RH.com.br entrevistou Simone Murta, advogada e consultora de Recursos Humanos com vasta experiência em processos seletivos. "Mesmo que o dano seja causado por imperícia, que é a falta de habilidade no exercício de atividade técnica, de um profissional de RH, a organização responde pelo que era chamado de culpa in contraendo, ou seja, é responsável pelos profissionais que contrata e, em seu nome, desenvolvem qualquer atividade", pontua. A entrevista foca pontos indispensáveis que devem ser levados em consideração, quando o processo de recrutamento e seleção tem início. Confira a entrevista na íntegra e tenha uma agradável leitura!

RH.com.br - Em 2010, uma pessoa desligou-se do emprego porque foi aprovada para uma vaga em outra empresa. No entanto, a organização que realizou a seleção cancelou a contratação. O caso parou no Tribunal Regional do Trabalho e o profissional recebeu uma indenização por danos morais. Existe responsabilidade civil para as organizações que adotam procedimentos semelhantes?

Simone Murta - Sim, a empresa pode ser responsabilizada por todo dano causado a um candidato. A responsabilidade civil incide sobre todos e implica no dever de reparar danos materiais ou extrapatrimoniais causados aos outros. No caso citado, uma vez comprovado que a empresa de fato causou danos ao candidato - materiais, como o prejuízo financeiro em decorrência do desligamento do antigo emprego, e morais, como a decepção, a frustração, as expectativas frustradas - a justiça deve ser acionada e a empresa condenada à reparação dos danos. Portanto, a empresa deve ponderar e cercar de cuidados o processo de contratação, considerando a efetiva necessidade de pessoal para evitar o envolvimento e eventuais danos a candidatos a empregos.

RH - Que tipo de penalidades uma empresa que adota uma postura semelhante pode receber?

Simone Murta - O mais usual é a conversão em perdas e danos, sendo a empresa ser obrigada a indenizar pecuniariamente os danos percebidos pelo candidato lesado. A dificuldade está em quantificar o dano moral, ficando a cargo dos juízes arbitrarem um valor que sirva ao mesmo tempo de compensação para a vítima e de desestímulo, para que a empresa não repita a conduta causadora do dano. Mas o candidato pode pleitear a própria efetivação do contrato de trabalho, passando à empresa o ônus de comprovar a impossibilidade da contratação. Mas nem sempre isso é adequado, pois pode haver discriminação em relação ao novo empregado, dificultando o relacionamento interpessoal no ambiente de trabalho.

RH - Uma vez comprovadamente lesado, quais os procedimentos que o profissional pode adotar para que sejam reparados danos morais?

Simone Murta - O profissional deve juntar provas documentais e apresentar testemunhas que comprovem suas alegações. O ônus da prova é de quem alega, assim, o candidato deve coletar a maior quantidade de informações possíveis. As provas devem comprovar a relação entre o dano causado e a conduta da empresa. O chamado nexo causal deve ficar claro para o julgador. O dano material é mais facilmente comprovado, por exemplo, através da demonstração da rescisão do contrato de trabalho no antigo emprego e do decurso de tempo sem remuneração. A questão do dano moral é mais difícil de verificação e requer um aconselhamento técnico, que deve ser dado por um advogado. A argumentação deve ser convincente, diante da dificuldade de comprovação do dano moral.

RH - Mesmo que o erro em uma seleção seja apenas oriundo da área de RH, a empresa também fica sujeita a penalidades previstas por lei?

Simone Murta - A empresa responde pelos atos de seus funcionários, já que estes agem em nome dela. É contra a empresa que será ajuizada a ação. Mesmo que o dano seja causado por imperícia, que é a falta de habilidade no exercício de atividade técnica, de um profissional de Recursos Humanos, a organização responde pelo que era chamado de culpa in contraendo, ou seja, é responsável pelos profissionais que contrata e, em seu nome, desenvolvem qualquer atividade. Há divergências se a empresa tem direito de regresso em relação ao empregado. Neste caso, por se ratar de responsabilidade subjetiva, a culpa do funcionário deverá ser comprovada. Em minha opinião, a empresa deve ser responsabilizada, pois deve cuidar para contratar e formar profissionais competentes. Além disso, se é a organização que aufere os lucros, é ela que deve arcar com eventuais condenações. Apenas se for possível comprovar que o funcionário agiu com dolo, com a intenção de causar o dano, deverá ser responsabilizado.

RH - Como a senhora observa a conduta dos profissionais de RH responsáveis pelos processos seletivos?

Simone Murta - Em algumas ocasiões podemos observar certos descuidos por parte dos profissionais de Recursos Humanos que colocam tanto a empresa quanto os candidatos em situações que podem desencadear responsabilidade civil. Espera-se de um profissional capacitado um zelo muito maior no desenvolvimento de suas atividades do que uma pessoa comum. Todo o conhecimento técnico visa uma atividade com qualidade. Também há uma falta de conhecimento das implicações jurídicas dos atos em geral. Uma maior interação com o departamento jurídico da empresa é aconselhável. Mas, de uma maneira bastante simples, basta usar da empatia - tratar aos outros com a consideração que gostaríamos de sermos tratados.

RH - Um fato que estimula polêmicas nas seleções é a adoção de dinâmicas de grupo que geram constrangimento aos candidatos. Qual a sua opinião sobre esse tipo de conduta?

Simone Murta - Quando se trata de percepções subjetivas todo cuidado é pouco. O que para você é algo perfeitamente normal, para outros pode ser um sofrimento. Cada dinâmica de grupo tem um objetivo e um perfil comercial e requer características bem diferentes de um técnico em contabilidade, por exemplo. Mas há limites. Na minha vivência como selecionadora, muitas vezes, observei constrangimento e mesmo sofrimento de candidatos que, por precisarem do emprego, se sujeitavam a dinâmicas agressivas, enquanto outros se divertiam com a situação. Já presenciei até crises de choro. Bom senso é recomendável e nunca colocar as pessoas em situações constrangedoras. Há uma gama enorme de técnicas de seleção, melhor escolher uma menos invasiva.

RH - Os candidatos têm direito de receberem informações sobre as dinâmicas, antes que essas sejam iniciadas?

Simone Murta - Sim, primeiro por uma questão de respeito. Não é porque o candidato, naquele momento, está em uma posição mais fragilizada que deverá se sujeitar a qualquer instrução passada numa seleção. Mais uma vez, não faça aos outros o que não gostaria que fizessem com você. Sempre tive o cuidado de informar aos candidatos o que seria feito e depois o que foi observado. O candidato tem direito, inclusive, de ter acesso aos resultados dos testes a que foi submetido. Infelizmente não é uma prática comum o RH informar os resultados. O candidato pode acionar a Justiça se, por ventura, tiver negada sua solicitação de acesso aos resultados da avaliação a que foi submetido. São dados referentes ao próprio candidato e a ele não pode ser negado o acesso, mas muitos acreditam que os resultados são propriedade da empresa.

RH - Se durante um processo seletivo o profissional sentir-se discriminado de alguma forma, ele pode recorrer à Justiça?

Simone Murta - Pode e deve. O ordenamento jurídico como um todo repudia a discriminação injustificada, configurando crime, em alguns casos. As poucas exceções estão expressamente previstas na legislação ordinária e relacionadas com a atividade a ser desenvolvida e nunca com características da pessoa. Qualquer postura discriminatória em relação ao sexo, à raça, à situação econômica ou à opção sexual do candidato devem ser evitadas, assim como convicções religiosas e políticas devem ser respeitadas. Ainda que saibamos ser impossível evitar certa dose de subjetividade nos processos seletivos, qualquer eliminação deve ser racionalmente justificada e esclarecida ao candidato para que este possa promover seu aperfeiçoamento. É odiosa, embora compreensível em função da sobrecarga de trabalho, a prática comum de responder ao candidato eliminado com frases padrão. Alguns empresários manifestam a preferência por contratar pessoas da mesma religião que a sua. Isto é discriminação e qualquer pessoa pode se insurgir contra ela. A questão da prova é que deverá ser analisada para saber se é possível ajuizar uma ação de reparação.

RH - Para evitar qualquer tipo de implicações legais, decorrentes de um processo seletivo, que cuidados a área de RH pode adotar?

Simone Murta - Antes de tudo uma conversa com os profissionais do departamento jurídico ou a promoção de cursos e palestras de advogados, para que sejam esclarecidas as implicações jurídicas. Depois um cuidado na verificação da real necessidade de contratação para o processo seletivo não ser cancelado e causar decepção nos candidatos; definição do perfil da vaga coerente a fim de evitar discriminações injustificadas; divulgação da vaga sem qualquer conotação preconceituosa; seleção de técnicas e dinâmicas que não criem situações vexatórias; cuidado com a divulgação de informações e contato com o candidato para evitar conflitos com o atual empregador e, por fim, cordialidade e transparência no agradecimento aos candidatos reprovados.

RH - Em sua opinião qual o caso de processo de seleção que a senhora já tomou ciência e que considera mais grave, diante do ponto jurídico?

Simone Murta - Temos notícias de situações absurdas que vão desde pedir que os candidatos tirem os sapatos durante uma dinâmica até candidatos que são dispensados após terem apresentado toda a documentação, feitos os exames médicos e abertura de conta salário. São graves todas as situações nas quais se verificam desrespeitos aos candidatos. Antes de abordar um candidato, tomar o seu tempo com entrevistas e dinâmicas, fazer promessas, é preciso considerar que ali está uma pessoa, muitas vezes fragilizada, que tem expectativas, sentimentos e direitos que, uma vez violados, deverão ser reparados.

RH - Além de advogada, a senhora também tem experiência na área de RH e atua como consultora. Como a senhora se sente diante de uma seleção conduzida de forma irresponsável?

Simone Murta - Em determinado momento da minha carreira como consultora, o conhecimento de Direito tornou-se necessário. RH e Legislação Trabalhista estão intimamente relacionados. Mas não só, todo e qualquer relacionamento interpessoal é perpassado por normas jurídicas, para as quais há previsão de sanções em caso de violação. Agora, ainda mais que antes, incomoda-me o desrespeito com que os profissionais de RH algumas vezes tratam os candidatos. Aparentam, muitas vezes, uma superioridade que não existe na realidade: se o candidato precisa do emprego, a empresa precisa do novo funcionário e o RH precisa fechar as vagas. É compreensível a pressão, as exigências do mercado e a dificuldade de se encontrar candidatos como a qualificação necessária, mas há que se ter em mente que é sempre uma troca. Hoje, o conhecimento adquirido me permite aconselhar e evitar algumas condutas que possam ter consequências jurídicas. A proposta é trabalhar com a advocacia consultiva, ou seja, evitar que os problemas surjam e resolvê-los antes que seja necessário levá-los à apreciação do Judiciário.

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