Para trazer esse tema à tona - a responsabilidade do RH e da empresa nos processos seletivos, o RH.com.br entrevistou Simone Murta, advogada e consultora de Recursos Humanos com vasta experiência em processos seletivos. "Mesmo que o dano seja causado por imperícia, que é a falta de habilidade no exercício de atividade técnica, de um profissional de RH, a organização responde pelo que era chamado de culpa in contraendo, ou seja, é responsável pelos profissionais que contrata e, em seu nome, desenvolvem qualquer atividade", pontua. A entrevista foca pontos indispensáveis que devem ser levados em consideração, quando o processo de recrutamento e seleção tem início. Confira a entrevista na íntegra e tenha uma agradável leitura!
RH.com.br - Em 2010, uma pessoa desligou-se do emprego porque foi aprovada para uma vaga em outra empresa. No entanto, a organização que realizou a seleção cancelou a contratação. O caso parou no Tribunal Regional do Trabalho e o profissional recebeu uma indenização por danos morais. Existe responsabilidade civil para as organizações que adotam procedimentos semelhantes?
Simone Murta - Sim, a empresa pode ser responsabilizada por todo dano causado a um candidato. A responsabilidade civil incide sobre todos e implica no dever de reparar danos materiais ou extrapatrimoniais causados aos outros. No caso citado, uma vez comprovado que a empresa de fato causou danos ao candidato - materiais, como o prejuízo financeiro em decorrência do desligamento do antigo emprego, e morais, como a decepção, a frustração, as expectativas frustradas - a justiça deve ser acionada e a empresa condenada à reparação dos danos. Portanto, a empresa deve ponderar e cercar de cuidados o processo de contratação, considerando a efetiva necessidade de pessoal para evitar o envolvimento e eventuais danos a candidatos a empregos.
RH - Que tipo de penalidades uma empresa que adota uma postura semelhante pode receber?
Simone Murta - O mais usual é a conversão em perdas e danos, sendo a empresa ser obrigada a indenizar pecuniariamente os danos percebidos pelo candidato lesado. A dificuldade está em quantificar o dano moral, ficando a cargo dos juízes arbitrarem um valor que sirva ao mesmo tempo de compensação para a vítima e de desestímulo, para que a empresa não repita a conduta causadora do dano. Mas o candidato pode pleitear a própria efetivação do contrato de trabalho, passando à empresa o ônus de comprovar a impossibilidade da contratação. Mas nem sempre isso é adequado, pois pode haver discriminação em relação ao novo empregado, dificultando o relacionamento interpessoal no ambiente de trabalho.
RH - Uma vez comprovadamente lesado, quais os procedimentos que o profissional pode adotar para que sejam reparados danos morais?
Simone Murta - O profissional deve juntar provas documentais e apresentar testemunhas que comprovem suas alegações. O ônus da prova é de quem alega, assim, o candidato deve coletar a maior quantidade de informações possíveis. As provas devem comprovar a relação entre o dano causado e a conduta da empresa. O chamado nexo causal deve ficar claro para o julgador. O dano material é mais facilmente comprovado, por exemplo, através da demonstração da rescisão do contrato de trabalho no antigo emprego e do decurso de tempo sem remuneração. A questão do dano moral é mais difícil de verificação e requer um aconselhamento técnico, que deve ser dado por um advogado. A argumentação deve ser convincente, diante da dificuldade de comprovação do dano moral.
RH - Mesmo que o erro em uma seleção seja apenas oriundo da área de RH, a empresa também fica sujeita a penalidades previstas por lei?
Simone Murta - A empresa responde pelos atos de seus funcionários, já que estes agem em nome dela. É contra a empresa que será ajuizada a ação. Mesmo que o dano seja causado por imperícia, que é a falta de habilidade no exercício de atividade técnica, de um profissional de Recursos Humanos, a organização responde pelo que era chamado de culpa in contraendo, ou seja, é responsável pelos profissionais que contrata e, em seu nome, desenvolvem qualquer atividade. Há divergências se a empresa tem direito de regresso em relação ao empregado. Neste caso, por se ratar de responsabilidade subjetiva, a culpa do funcionário deverá ser comprovada. Em minha opinião, a empresa deve ser responsabilizada, pois deve cuidar para contratar e formar profissionais competentes. Além disso, se é a organização que aufere os lucros, é ela que deve arcar com eventuais condenações. Apenas se for possível comprovar que o funcionário agiu com dolo, com a intenção de causar o dano, deverá ser responsabilizado.
RH - Como a senhora observa a conduta dos profissionais de RH responsáveis pelos processos seletivos?
Simone Murta - Em algumas ocasiões podemos observar certos descuidos por parte dos profissionais de Recursos Humanos que colocam tanto a empresa quanto os candidatos em situações que podem desencadear responsabilidade civil. Espera-se de um profissional capacitado um zelo muito maior no desenvolvimento de suas atividades do que uma pessoa comum. Todo o conhecimento técnico visa uma atividade com qualidade. Também há uma falta de conhecimento das implicações jurídicas dos atos em geral. Uma maior interação com o departamento jurídico da empresa é aconselhável. Mas, de uma maneira bastante simples, basta usar da empatia - tratar aos outros com a consideração que gostaríamos de sermos tratados.
RH - Um fato que estimula polêmicas nas seleções é a adoção de dinâmicas de grupo que geram constrangimento aos candidatos. Qual a sua opinião sobre esse tipo de conduta?
Simone Murta - Quando se trata de percepções subjetivas todo cuidado é pouco. O que para você é algo perfeitamente normal, para outros pode ser um sofrimento. Cada dinâmica de grupo tem um objetivo e um perfil comercial e requer características bem diferentes de um técnico em contabilidade, por exemplo. Mas há limites. Na minha vivência como selecionadora, muitas vezes, observei constrangimento e mesmo sofrimento de candidatos que, por precisarem do emprego, se sujeitavam a dinâmicas agressivas, enquanto outros se divertiam com a situação. Já presenciei até crises de choro. Bom senso é recomendável e nunca colocar as pessoas em situações constrangedoras. Há uma gama enorme de técnicas de seleção, melhor escolher uma menos invasiva.
RH - Os candidatos têm direito de receberem informações sobre as dinâmicas, antes que essas sejam iniciadas?
Simone Murta - Sim, primeiro por uma questão de respeito. Não é porque o candidato, naquele momento, está em uma posição mais fragilizada que deverá se sujeitar a qualquer instrução passada numa seleção. Mais uma vez, não faça aos outros o que não gostaria que fizessem com você. Sempre tive o cuidado de informar aos candidatos o que seria feito e depois o que foi observado. O candidato tem direito, inclusive, de ter acesso aos resultados dos testes a que foi submetido. Infelizmente não é uma prática comum o RH informar os resultados. O candidato pode acionar a Justiça se, por ventura, tiver negada sua solicitação de acesso aos resultados da avaliação a que foi submetido. São dados referentes ao próprio candidato e a ele não pode ser negado o acesso, mas muitos acreditam que os resultados são propriedade da empresa.
RH - Se durante um processo seletivo o profissional sentir-se discriminado de alguma forma, ele pode recorrer à Justiça?
Simone Murta - Pode e deve. O ordenamento jurídico como um todo repudia a discriminação injustificada, configurando crime, em alguns casos. As poucas exceções estão expressamente previstas na legislação ordinária e relacionadas com a atividade a ser desenvolvida e nunca com características da pessoa. Qualquer postura discriminatória em relação ao sexo, à raça, à situação econômica ou à opção sexual do candidato devem ser evitadas, assim como convicções religiosas e políticas devem ser respeitadas. Ainda que saibamos ser impossível evitar certa dose de subjetividade nos processos seletivos, qualquer eliminação deve ser racionalmente justificada e esclarecida ao candidato para que este possa promover seu aperfeiçoamento. É odiosa, embora compreensível em função da sobrecarga de trabalho, a prática comum de responder ao candidato eliminado com frases padrão. Alguns empresários manifestam a preferência por contratar pessoas da mesma religião que a sua. Isto é discriminação e qualquer pessoa pode se insurgir contra ela. A questão da prova é que deverá ser analisada para saber se é possível ajuizar uma ação de reparação.
RH - Para evitar qualquer tipo de implicações legais, decorrentes de um processo seletivo, que cuidados a área de RH pode adotar?
Simone Murta - Antes de tudo uma conversa com os profissionais do departamento jurídico ou a promoção de cursos e palestras de advogados, para que sejam esclarecidas as implicações jurídicas. Depois um cuidado na verificação da real necessidade de contratação para o processo seletivo não ser cancelado e causar decepção nos candidatos; definição do perfil da vaga coerente a fim de evitar discriminações injustificadas; divulgação da vaga sem qualquer conotação preconceituosa; seleção de técnicas e dinâmicas que não criem situações vexatórias; cuidado com a divulgação de informações e contato com o candidato para evitar conflitos com o atual empregador e, por fim, cordialidade e transparência no agradecimento aos candidatos reprovados.
RH - Em sua opinião qual o caso de processo de seleção que a senhora já tomou ciência e que considera mais grave, diante do ponto jurídico?
Simone Murta - Temos notícias de situações absurdas que vão desde pedir que os candidatos tirem os sapatos durante uma dinâmica até candidatos que são dispensados após terem apresentado toda a documentação, feitos os exames médicos e abertura de conta salário. São graves todas as situações nas quais se verificam desrespeitos aos candidatos. Antes de abordar um candidato, tomar o seu tempo com entrevistas e dinâmicas, fazer promessas, é preciso considerar que ali está uma pessoa, muitas vezes fragilizada, que tem expectativas, sentimentos e direitos que, uma vez violados, deverão ser reparados.
RH - Além de advogada, a senhora também tem experiência na área de RH e atua como consultora. Como a senhora se sente diante de uma seleção conduzida de forma irresponsável?
Simone Murta - Em determinado momento da minha carreira como consultora, o conhecimento de Direito tornou-se necessário. RH e Legislação Trabalhista estão intimamente relacionados. Mas não só, todo e qualquer relacionamento interpessoal é perpassado por normas jurídicas, para as quais há previsão de sanções em caso de violação. Agora, ainda mais que antes, incomoda-me o desrespeito com que os profissionais de RH algumas vezes tratam os candidatos. Aparentam, muitas vezes, uma superioridade que não existe na realidade: se o candidato precisa do emprego, a empresa precisa do novo funcionário e o RH precisa fechar as vagas. É compreensível a pressão, as exigências do mercado e a dificuldade de se encontrar candidatos como a qualificação necessária, mas há que se ter em mente que é sempre uma troca. Hoje, o conhecimento adquirido me permite aconselhar e evitar algumas condutas que possam ter consequências jurídicas. A proposta é trabalhar com a advocacia consultiva, ou seja, evitar que os problemas surjam e resolvê-los antes que seja necessário levá-los à apreciação do Judiciário.
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