Trolls são monstros do folclore escandinavo, criaturas horrendas e antissociais comuns em histórias infantis. Também dão nome a uma verdadeira praga, igualmente medonha e de comportamento inadequado, que surgiu nos primórdios da internet, em fóruns e listas de discussões, mas que se espalhou após a popularização dos blogs. Cada vez mais, são muitos os debates virtuais prejudicados por suas agressivas intervenções.
Qualquer pessoa pode se tornar um troll. Com o – relativo – anonimato oferecido pela rede, nem é preciso criar pseudônimos para publicar comentários que escancaram, além do próprio semianalfabetismo, preconceitos, imoralidades e até crueldades verbais direcionadas a um blogueiro, a outro comentarista, ao proprietário de um site ou mesmo de um perfil num portal de relacionamentos. É um fenômeno. Que sensibiliza não só os internautas comuns, mas também a própria Academia, que aos poucos começa a se debruçar sobre o assunto. Bem aos poucos, no entanto.
– As pesquisas sobre o uso da internet, em âmbito universitário, estão em estágio avançado – diz Sandra Montardo, doutora em Comunicação e Cibercultura que integra o conselho da Associação Brasileira de Pesquisadores em Cibercultura e que é responsável pelo que chama de parte científica do Seminário Blogs, há três anos promovido pela Feevale. – Mas, especificamente sobre trolls, há poucos trabalhos. Embora o tema apareça no nosso seminário: chegamos a programar uma palestra sobre a linguagem usada na comunicação online. Os comportamentos na rede são abordados em estudos que transcendem a Comunicação e remetem, por exemplo, à Sociologia e à Antropologia.
Pode parecer simples entender o que faz alguém ofender outras pessoas que sequer conhece, sem remorsos e, em tantas ocasiões, sem justificativas, mas às vistas dos acadêmicos se trata de algo um tanto mais complexo – o que tem levado a algumas respostas bem interessantes. Um certo instinto maldoso e a segurança oferecida pela falta de contato físico são apenas os aspectos mais básicos dos estudos sobre o assunto, todos ainda incipientes, alguns tocando o tema a partir de abordagens laterais.
Adriana Amaral e Claudia Quadros, pesquisadoras paranaenses, são autoras de um trabalho desenvolvido na Universidade de Tuiuti e apresentado em Portugal que inclui, além de análises dos trolls, entrevistas com blogueiros vitimados por eles. Constataram, surpreendentemente, que muitos dos responsáveis pelos espaços de discussão atacados vêem algumas das ofensas com bons olhos – porque elas são sinônimo de polêmicas, ainda que vazias.
– Ter uma persona pública que chame a atenção é o que almejam muitos blogueiros, assim como muitos comentaristas de blogs – explica Adriana, associando o ciberespaço à obsessão contemporânea pela fama. – Sob certo aspecto, os blogs têm a ver com o jornalismo cor-de-rosa (de celebridades): eles têm a capacidade de elevar as pessoas à condição de personalidades reconhecidas.
Estaria aí uma possível explicação para o fato de os sites de fofocas, ao lado dos de futebol – que mexem com rivalidades e paixões exacerbadas – se destacarem na prática do trolling. Mas e quanto a portais e blogs que oferecem outros tipos de conteúdo? E quanto à prática de ofensas em simples perfis de redes de relacionamento?
– Muitas vezes as reações mais extremadas vão contra as opiniões que contrariam o senso comum – responde Adriana. – Essas opiniões podem ser expressadas em um blog ou mesmo em um item de um perfil, como a revelação de um gosto inusitado, por exemplo. Quando alguém abala uma verdade estabelecida, a reação é contrária. A possibilidade de anonimato, ainda que fantasiosa, porque o rastreamento é sempre possível, potencializa a agressividade.
Blogs também servem de veículo de expressão de conflitos preexistentes, aponta a pesquisa das professoras do Paraná – os comentaristas geralmente sabem quem são os blogueiros e mantêm com eles pontos de discordância que, mesmo que não tenham nada a ver com o debate, também acabam potencializando os confrontos, afirmam Claudia e Adriana. Não é por um caminho distinto que anda o trabalho de Raquel Recuero, jornalista, doutora em Comunicação e Informação, professora da Universidade Católica de Pelotas e uma referência no assunto Redes Sociais.
– Um site, assim como um blog, é uma apropriação de um espaço que é público. O ciberespaço é público – ela teoriza. – As respostas a essa apropriação podem ser interpretadas como uma tentativa de reocupação desse espaço. O que, é claro, não justifica a falta de civilidade.
– Mas que faz sentido se pensarmos no comportamento das pessoas no mundo real, fora da rede – acredita a psicóloga Cleci Maraschin, doutora em Educação e pesquisadora na área de tecnologia. – Quem é agressivo e não experimenta essa agressividade lá fora pode fazê-lo no mundo virtual. Quem não vivencia certas emoções no mundo real se sente incentivado a vivenciá-las de outro jeito.
Professora da UFRGS, Cleci também se dedica a pesquisar o comportamento de crianças e adolescentes. O que já descobriu possibilita um paralelo com o comportamento dos adultos diante do computador.
– A prática do bullying (atos de violência com o objetivo de intimidar), o popular “tirar para corinho”, é muito comum em escolas. Como o mundo virtual é relativamente novo, estamos numa fase de descoberta desse mundo, da mesma forma que crianças e adolescentes estão descobrindo a realidade. De fato, talvez faça sentido associar essa prática infantil ao trolling – ela raciocina, instigada a fazer a comparação. – Mas o importante nessa relação é não perdermos de vista que o mundo virtual também é real. Não é porque não estamos face a face que o mundo virtual não existe. Só somos capazes do trolling se também o formos do bullying.
Raquel Recuero, que em suas pesquisas já concluiu ser o trolling mais comum entre os jovens – embora também haja trolls adultos, ela ressalta –, resume numa imagem a mesma linha de raciocínio:
– O sujeito que pratica ofensas na internet faz algo parecido com o que fazem meninos e meninas que ofendem os colegas pichando a porta do banheiro do colégio. Ambos os atos são absolutamente infantis.
A solução para o problema? Quem pesquisou o assunto só encontrou uma: moderar intervenções e comentários dos leitores ou, até mesmo, excluí-los. Pelo menos até que eles reflitam mais maturidade da parte dos internautas.
Fonte: Daniel Feix - Jornal Zero Hora / Porto Alegre