terça-feira, 23 de março de 2010

Quem tem medo da Geração Y?

Muito se tem escrito sobre esse tema e não quero ser repetitivo e nem que considerem meu texto como mais uma mesmice de uma longa fila. Quando ouvi falar de geração Y a primeira vez, lembrei-me de antiga estória familiar. José trabalhava na antiga montadora Vemag. A Vemag foi comprada à época pela Volkswagen e José passou a ser subordinado de um “senhor” de 26 anos de idade (ele com 42 anos). Para ele foi duro de engolir após tantos anos de Vemag. Imaginem a cena em 1963. Uma bela tarde qualquer, José disse-lhe que iria comprar cigarros e que já voltava. Não é que o jovem “senhor” pediu-lhe que comprasse para ele também, pois haviam acabado os seus e, enquanto retirava o dinheiro da carteira, ofendido, pediu demissão alegando que não era serviçal de um “garoto”! A conclusão dessa estória, quando “a cabeça esfriou”, foi a perda de um ótimo emprego e dias difíceis pela frente. À época eu não consegui entender direito, mas essa estória ficou na minha lembrança e, quando penso nela nos dias de hoje, percebo em muitas situações aquela frase “acho que eu já vi esse filme antes,...!”

Nessa onda de “trademark”, José era da geração U! Essas marcas registradas e autenticadas são costumeiramente utilizadas para tratados em demografia, sociologia, antropologia e, principalmente, marketing. Na quase totalidade dos países, a Geração Y é apenas um extrato da sociedade que teve o privilégio de ter sido bem cuidada, bem alimentada e programada desde a infância para atuar com inúmeras atividades, freqüentar as melhores universidades e realizar cursos da melhor qualidade, locais e no exterior. Isso significa, por obrigação, que são voltados para o alto desempenho. Quando se fala de Geração Y, o tema é tratado de forma quase uniforme, o que contradiz um pouco a Teoria das Competências de David McClelland, na qual, não necessariamente, os melhores desempenhos escolares ditam o êxito pessoal e/ou profissional.

Porém, diferentemente das gerações anteriores, que viam na priorização da carreira em detrimento da família sua alavanca sustentável, hoje, os trabalhadores mais jovens, de uma maneira geral, mostram-se interessados em fazer com que seu trabalho permita acomodar sua vida pessoal, incluindo-se aí, sua família. Querem trabalhar, mas não querem que o trabalho dite sua vida. Pessoas com 45, 50 anos de idade estão agora trabalhando ao lado de pessoas de 20,25 anos de idade. Em muitos casos, supervisionam trabalhadores que poderiam ser seus pais.

Espertos e ousados, os novos iniciantes no trabalho costumam trocar seus empregadores quando percebem a possibilidade de colisão de rotas e têm duvidas sobre lealdade dos empregados, criando frustração para o povo de RH que luta para recrutar e reter talentos de alta performance. Do ponto de vista disciplinar, respondem muito menos a comandos e controles de gestão e gerenciamento. Cresceram questionando seus pais e agora questionam seus empregadores. Recentemente vi no programa “60 Minutes”, uma reportagem sobre o assunto, onde um Gestor de RH de uma instituição americana disse que é comum a mãe vir questionar quando seu filho acha que não foi adequadamente tratado. A princípio pode parecer hilário (e eu acho que é), mas se pensarmos que as outras gerações estavam acostumadas a revisões semestrais e/ou anuais com seus empregadores, a Y cresceu e se desenvolveu sob constante feedback e reconhecimento dos professores, pais e orientadores e tendem a se sentirem “sem rumo” se a comunicação com os empregadores não ocorrer de forma regular.

O livro do Ricardo Semler, “Virando a Mesa”, editado em 1988, causou verdadeiro frisson ao propor reformular o status quo das instituições, notadamente das familiares, tão tradicionais no Brasil. A partir de sua experiência na Semco, mostrou-nos que é necessário tratar os funcionários com mais liberdade e abrir espaço para a criatividade e a ousadia. Palavras de um Y de 23 anos em 2010: “Nós estamos desejosos e sem medo de mudar o status quo das instituições. Trabalhar em um ambiente onde a criatividade e a independência de pensamento são bem vindas será atraente e positivo às pessoas de minha idade”.

Certamente a Semco é uma das primeiras instituições Y de nossa terra. Atitude Y é o que importa. Lá não existe Regulamento Interno. Existe Manual de Sobrevivência que estampa em sua primeira página:

“Parabéns! Com este Manual em mãos você faz parte de um esforço de muita gente que quer provar que existe uma maneira mais digna e mais justa de administrar uma empresa no Brasil. O que segue tem o objetivo de fazer com que todos falem a mesma língua. Porém, é importante lembrar que não queremos pessoas sem opinião na empresa, grite e brigue quando alguma coisa não está certa ou não bate com a sua visão, questione bastante e lute com outros pela mudança de qualquer coisa que está escrito aqui, se houver necessidade. Enquanto nossas diretrizes estiverem em vigor, porém, é importante que todos remem o barco na mesma direção e é esta a razão deste Manual de Sobrevivência no Grupo Semco. Faça bom uso!“

Há alguns anos, algumas instituições americanas criaram a figura do “employer branding" para fortalecer a imagem da instituição na procura de novos e talentosos funcionários, recém saídos dos colégios e universidades de ponta. A função principal do “employer branding” é vender a instituição aos jovens formandos (mostrar os atrativos que se pode obter ao conquistar o crachá da instituição).

Conviver com essa juventude pode ser tudo de bom quando sua inteligência emocional consegue conciliar o empreender (eles) com o viabilizar (pode ser você) e continuar vivo e feliz no mundo corporativo, ou seja, vivendo e aprendendo!

Carlos Alberto de Campos Salles

Um comentário:

  1. Gostei muito de suas considerações sobre a Geração Y. Interessante a sua preocupação em não apenas repetir o que se tem dito. Quando recorre à teoria de McClelland percebo que aponta sobre os riscos de traçarmos um retrato desfocado de toda uma geração. Tenho pensado sobre as rotulações que por sua vez acabam reforçando comportamentos de uma determinada geração. Em um artigo de M. Tereza Maldonado ela faz a seguinte consideração: "Ao traçar o perfil das diferentes gerações, corre-se o risco de fazer generalizações indevidas, uma vez que nem todos se encaixam nos esquemas propostos". Esta é a minha preocupação com o que tenho lido rotineiramente. Instruções em como tratar uma geração nascida em uma determinada época como portadora incondicional de um tipo de personalidade e comportamento. Gostaria que continuássemos discutindo sobre este tema. Grande abraço

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