quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Ótima matéria sobre Gestão de Pessoas na Ambev/Imbev!

Ótima matéria sobre Gestão de Pessoas na Ambev/Imbev

Época Negócios - Edição 14 - Abril de 2008 08/04/2008
O legado de Lemann - por Alexandre Teixeira, com Camila Hessel, colaborou Darcio Oliveira

Os conceitos, as práticas e as idiossincrasias formuladas ao longo de anos no Garantia encontraram seu verdadeiro campo de provas na Brahma, quando a cervejaria carioca foi comprada por Lemann, Telles e Sicupira, em novembro de 1989. Àquela altura, a Brahma, embora um pouco maior, era uma companhia pior administrada do que a Antarctica. Seu lucro antes de impostos, por exemplo, era de apenas 10%, ante 17% da rival paulista. Sua margem operacional, de meros 8%, em comparação a 26% da concorrente.

Nomeado executivo-chefe da cervejaria, Marcel deixou a segurança do banco para enfrentar o desconhecido, acompanhado de apenas quatro funcionários. De cara, cortou os carros cedidos pela empresa aos diretores. Acabaram as diferenças de classe no restaurante da empresa, as salas individuais para os executivos e as secretárias particulares. Todo funcionário passou a ser classificado em uma de quatro categorias: adequado, competente, superior ou excelente. Apesar do tamanho da empresa, em pouco tempo um jovem talento podia entrar no radar da cúpula, passando a fazer parte do grupo dos "indispensáveis".

Um dos primeiros a entrar para esse clube foi um aplicado e discreto engenheiro mecânico chamado Carlos Brito. Ele chegou com Marcel, teve alguns meses para conhecer a companhia e rapidamente foi encarregado da gerência geral da fábrica de Agudos, no interior de São Paulo, então a maior entre as 23 da Brahma. Foi considerado excelente na função e ganhou oito salários de bônus já no primeiro ano. Antes de chegar à cervejaria, Brito trabalhava na Shell e sonhava com um MBA em Stanford. Um dia, na cara dura, ligou para o Garantia e conseguiu agendar uma reunião com Lemann em pessoa. Disse que queria fazer o curso e precisava de US$ 22 mil. O então banqueiro topou financiá-lo, marcou aquele nome em seu caderninho e lembrou dele quando começou a comprar empresas não financeiras. Brito passou dois meses na Lojas Americanas antes de entrar na Brahma. De onde nunca mais saiu. Trabalhou em finanças, operações e vendas, antes de ser nomeado presidente-executivo do que já era a AmBev, em 2004. Com a criação da InBev, naquele mesmo ano, assumiu brevemente o controle da subsidiária americana da companhia. Em 2005, chegou à presidência do grupo todo. E tratou de levar a "cultura Garantia" para a matriz, na Bélgica.

Marcel Telles, um caçador de talentos, afirma que gostaria de ser lembrado como "um cara que sempre deixou um monte de gente melhor do que ele nos lugares por onde passou"

Hoje, nas reuniões de conselho da InBev, analisa-se pessoa a pessoa nas principais funções de comando. E apontam-se substitutos para cada posição.

"Temos 85 mil funcionários, mas 250 são os que realmente fazem a diferença. Essas pessoas são geridas de modo distinto, porque nós queremos ter certeza de que estão animadas e não vão deixar a companhia"

afirmou Carlos Brito, em uma palestra que proferiu em Stanford em fevereiro. "Enquanto algumas empresas preferem contratar empregados em meio de carreira, a InBev busca recém-formados e os molda para a liderança", disse ele na mesma ocasião. "Líderes podem ser formados, podem ser treinados, podem aprimorar suas habilidades." A AmBev hoje não só forma como exporta executivos. Quarenta e seis deles estão na Europa, 16 na América do Norte, cinco na Ásia e 42 nos países da América Latina onde a cervejaria está presente. Só no conselho da InBev são quatro brasileiros, incluindo Brito.

Antes de serem treinados e aprimorados, futuros líderes precisam ser recrutados - e aí está um dos diferenciais mais consistentes da política de RH inaugurada na Brahma. Todo ano, a FGV sedia a "Semana de Recrutamento", quando várias empresas se apresentam para divulgar programas de estágio. As palestras dos representantes das companhias são formais, muitas vezes chatas. Diretores engravatados e executivas de tailleur ocupam as cadeiras atrás da bancada de madeira de lei do Salão Nobre, projetam apresentações e, às vezes, vídeos corporativos. Na saída, entregam fichas de cadastro. As de Marcel Telles, em nome da Brahma, da AmBev ou da InBev, são bem diferentes - e reverberam durante dias nos corredores da faculdade. Para começar, em vez de um diretor de RH, quem se apresenta é o presidente e um dos principais acionistas. Com o auditório abarrotado por estudantes sentados ou em pé, ocupando todos os espaços livres, o empresário chega sorridente, de calça e camisa jeans, senta-se sobre a mesa e dispara algo como: "E então, preparados para colocar o seu na reta? Porque é sobre isso que vim falar aqui. Procuramos pessoas dispostas a colocar na reta". Gargalhada geral. Marcel ganhou a platéia, que ouve atenta o desfiar de números que ele apresenta na seqüência, antes de explicar o sistema de remuneração variável. As fichas de cadastro são avidamente preenchidas e a empresa está garantida por mais um ano no topo da lista das companhias em que os estudantes gostariam de trabalhar.

Quem for selecionado, não perderá Marcel de vista, enquanto estiver dando resultado. Tradicionalmente na AmBev e mais recentemente na InBev, todo mês de dezembro é marcado por um café-da-manhã em que os conselheiros da companhia recebem um grupo de trainees. Os encontros são sempre às 8 horas da manhã, antes da reunião formal do conselho de administração. Lemann, Marcel e Beto participam de todos. Se a reunião é, por exemplo, em Toronto (sede da Labatt, braço canadense da AmBev), Jorge Paulo manda levar seis ou sete estagiários para lá. Um jovem recém-formado tem de ter muita personalidade para se sair bem em um evento desse tipo. Mas Lemann gosta é de gente ambiciosa mesmo. Quem já o teve como entrevistador em um processo seletivo profissional por certo ouviu perguntas como "qual é a sua meta pessoal?" ou "onde você quer chegar?". Ele diz que, nessas ocasiões, procura o "brilho nos olhos".

Marcel, por sua vez, afirma que gostaria de ser lembrado "como um cara que sempre deixou um monte de gente melhor do que ele nos lugares por onde passou". Disse isso a Época NEGÓCIOS em pleno camarote da Brahma no sambódromo carioca, no domingo de Carnaval. Seu estilo é a personificação da simplicidade bem-sucedida à Garantia. Bermuda azul e a obrigatória camisa da cervejaria. Tênis de corrida sem meia. Além de bronzeado, Marcel está mais magro do que nos tempos da AmBev. Em compensação, os cabelos e a barba estão mais brancos. Vendo os desfiles das escolas de samba com os brasileiros da AmBev e os belgas da Interbrew, Marcel se faz absolutamente disponível a qualquer um - e é procurado sobretudo pelos mais jovens.

Carioca como seus dois principais sócios, aparentando bem menos que seus 58 anos, Marcel Hermann Telles é filho de um piloto da aviação civil e de uma dona de casa. Seu interesse pelas finanças foi despertado quando cursava economia na Universidade Federal do Rio de Janeiro. "Descobri que meus amigos que andavam com terno bacana e moto melhor trabalhavam no mercado financeiro", diz, no livro da Endeavor. Recrutado por Luiz Cezar Fernandes, descobriu seu métier assim que teve a primeira chance numa mesa de operações. Em pouco tempo, assumiu o comando de toda a área de corretagem, que respondia pela metade dos negócios do Garantia quando este foi transformado em banco de investimento. Trader de uma casa considerada extremamente agressiva, defendia que é preciso ser ousado e tomar decisões arriscadas, desde que se conheça profundamente o mercado onde se está atuando. Para ele, perder faz parte do jogo. Desde que se aprenda com o prejuízo.

Quando assumiu a direção da Brahma, Marcel não sabia nada sobre cervejas. Seu segundo em comando, Magim Rodrigues, ex-presidente da Lacta, era fera em chocolates, mas também não estava familiarizado com malte, lúpulos e botequins. Logo nos primeiros meses, a dupla visitou as melhores cervejarias da Alemanha e dos Estados Unidos - incluindo um quase estágio, inspirador, na Anheuser-Busch, seu principal benchmark. Desde então, Marcel professa uma fidelidade quase doentia às marcas que controla. Não admite que produtos concorrentes sejam consumidos por seus funcionários nem por sua família. Antes da criação da AmBev, ele dizia aos filhos, então bem pequenos, que não tomassem Guaraná Antarctica porque a bebida tinha xixi misturado. Depois da fusão com a antiga rival, não foi fácil convencer os meninos de que o refrigerante agora era seguro.

Reza a lenda que mais de um candidato a uma vaga na Brahma, convidado para um almoço-entrevista com executivos da empresa, perdeu o emprego por um deslize na hora dos pedidos. Ao inadvertidamente escolher uma Coca-Cola para acompanhar a comida, ouviu a sentença: sua entrevista acaba aqui.

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