Universia Knowledge@Wharton: O que é o capital psicológico?
Cristina Simón: Entende-se por capital o conjunto de bens utilizados para o crescimento e o progresso. Da mesma forma que já se definiu o capital financeiro (“o que a pessoa tem”), o capital intelectual (“o que a pessoa sabe fazer”) e o capital social (“com quem a pessoa se relaciona”), entende-se por capital psicológico o “jeito de ser da pessoa”, isto é, o conjunto de características positivas da personalidade que empregamos em nossa vida profissional. Colocadas a serviço do ambiente de trabalho, essas características podem fazer diferença nos resultados obtidos. O que temos em mente, de modo especial, é a vontade (motivação voltada para o cumprimento de um objetivo), otimismo realista (confiança na resolução positiva de acontecimentos futuros), resiliência (capacidade de enfrentar regularmente condições adversas ou arriscadas) e autoconfiança (ou confiança na capacidade própria para atingir as metas propostas). É importante frisar que esses quatro fatores podem ser aprendidos por qualquer pessoa e, portanto, podem ser incorporados aos programas de formação e de desenvolvimento das empresas.
UK@W.: De que maneira o capital psicológico afeta o mundo corporativo?
C.S.: Os estudos realizados até o momento mostram a existência de uma relação entre o nível do capital psicológico de um profissional e sua performance na empresa. É evidente que as pessoas dotadas de grande dose de resiliência e de otimismo realista, sobretudo nos dias de hoje, estão mais preparadas para enfrentar momentos de incertezas e de circunstâncias adversas. A Faculdade de Psicologia do IE iniciou um estudo com ex-alunos sobre a relação entre seu capital social e o sucesso alcançado em sua carreira de administração. De igual modo, a combinação de traços como vontade e autoconfiança aumentam a tenacidade de quem busca a consecução dos seus objetivos. Além disso, os indivíduos dotados desses traços tendem a trabalhar com planos de negócios de longo prazo, o que é fundamental para a sustentabilidade, uma das grandes aspirações das empresa atualmente.
UK@W: Com relação à vontade, ao otimismo, resiliência e autoconfiança, qual o peso de cada uma dessas características em um líder? Qual a mais importante?
C.S.: Conforme eu dizia anteriormente, o capital psicológico é um modelo muito recente, portanto não temos ainda condições de aferir com a precisão desejada a contribuição de cada um dos seus componentes, tampouco qual seria seu nível de equilíbrio ideal. Já há ferramentas para aferição do capital psicológico, e nesse sentido vale a pena destacar o trabalho de Fred Luthans no Instituto de Liderança da Universidade de Nebraska, em Lincoln. Ele é o pai desse conceito, que surgiu como resultado da aplicação dos princípios básicos do que se conhece como psicologia positiva — que se ocupa do estudo do comportamento humano do ponto de vista dos seus pontos fortes e de seus fatores positivos — ao mundo do trabalho e das empresas. Dada a possibilidade que têm os líderes de dar exemplos de atitudes e de comportamentos a suas equipes, o desenvolvimento dessas capacidades pode levar a uma melhora generalizada do capital psicológico da empresa toda.
UK@W.: Do ponto de vista dos empregados, de que maneira esses perfis psicológicos se complementam?
C.S.: A exemplo do que acontece com outros tipos de competências, a combinação desses traços em diferentes pessoas unidas em torno de um objetivo comum pode levar a equipe a um desempenho de elevada eficácia, preservando ao mesmo tempo níveis de interação social excelentes. O capital psicológico poderá ter um efeito multiplicador sempre que diversas pessoas trabalham em conjunto. Um aspecto especialmente importante desse tipo de capital é que ele eleva os padrões de bem-estar pessoal, o que sem dúvida resulta em índices de satisfação mais apurados no trabalho e em ambientes mais satisfatórios para os empregados.
UK@W.: Em tempos de crise, em que há cortes no quadro de pessoal e paira sempre a ameaça constante do desemprego, de que maneira é possível cultivar aspectos como a vontade, o otimismo, a resiliência e a autoconfiança? O que a empresa pode fazer para não queimar psicologicamente seus funcionários?
C.S.: O capital psicológico, como o próprio nome indica, leva em conta fatores próprios da pessoa, o que num contexto de crise a ajudam a superar momentos complicados de forma mais satisfatória. Seja como for, já comentei aqui que o capital psicológico pode ser desenvolvido. Isto significa que a empresa pode levar as pessoas a encarar as situações de crise com maior dose de otimismo realista, ou com atitudes mais flexíveis e de maior resistência à frustração e à depressão. Nesse sentido, a Gallup desenvolveu sua “prática baseada em pontos fortes” (strength-based practice) e a está implantando com sucesso nas empresas. De modo geral, essas práticas fornecem evidências sobre a importância de construir a empresa com base nos pontos fortes de seus funcionários, em vez de tentar “ajustar” o seu perfil ao exigido pela companhia. Essa mudança de enfoque pode ter consequências importantes para a gestão corporativa, e se aplica a situações vivenciadas no dia-a-dia, como as decisões de promoção de profissionais de perfis tecnicamente muito brilhantes, porém pouco motivados para as tarefas que cabem a um gestor realizar. Disso resulta um afastamento do funcionário de seus pontos fortes, sendo atribuídos a ele trabalhos nos quais se sente pouco confortável e capacitado, o que repercute nas equipes e no ambiente de trabalho de modo geral.
UK@W.: O que o empregado pode fazer em relação à situação atual do emprego?
C.S.: Muitos se angustiam porque se sentem indefesos, o que coloca em perigo as circunstâncias básicas de sua vida, como a preservação do status familiar, a estabilidade de suas condições financeiras etc. Essa percepção de fragilidade vivenciada dia após dia num contexto de incertezas se traduz em transtornos psicológicos graves para boa parte dos trabalhadores. O conselho de psicólogos espanhóis diz que a frequência das consultas sobre esse tipo de assunto teve uma alta de 15% nos últimos meses. As características do capital psicológico já mencionadas, sobretudo a resiliência e o otimismo realista, podem ajudar a melhorar a percepção da crise econômica. De modo especial, a adoção de uma visão otimista das circunstâncias — não me refiro aqui a uma ilusão “tola” cor-de-rosa — pode ajudar a melhorar a situação pessoal a longo prazo. A forma como percebemos o mundo e o nosso entorno é parte fundamental do processo de tomada de decisões com base no qual construímos nosso futuro no dia-a-dia. A ideia popular do copo “meio cheio ou meio vazio” é um bom exemplo disso. Conscientes de que temos apenas meio copo disponível — um dado objetivo —, a ideia de que devemos seguir adiante para construir e desfrutar a outra metade é fundamental para orientar nossas decisões cotidianas pelo caminho certo, tanto no âmbito pessoal quanto no do trabalho.
UK@W.: Os departamentos de Recursos Humanos levam em conta o capital psicológico? Que tipo de medidas estão sendo postas em prática?
C.S.: Creio que ainda é cedo para falar em implantação de práticas que levem em conta o capital psicológico. O conceito deverá se estender pela empresa através dos programas de formação e de desenvolvimento (sem dúvida impulsionados pelas práticas de coaching). Embora o modelo seja ainda bastante recente e, portanto, passível de resultados genéricos, é bastante provável que o conceito de capital psicológico substitua a inteligência emocional como ferramenta de desenvolvimento de gestores e empregados, uma vez que desempenha o duplo papel de produzir melhores resultados e, o que vem se tornando cada vez mais importante, o de criar ambientes de trabalho mais sadios.
Publicado em: 29/07/2009
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