"Vivendo e aprendendo Gestão Pública"
(um dia tudo será
possível!)
Para Longo, os dirigentes devem desenvolver o que
chama de Potencial de Transferência de Liderança (PTL), instância fundamental à
difusão do conhecimento, aumento do capital intelectual e conseqüente melhoria
à condução dos serviços de interesse público. Em entrevista à ENAP, o professor
reafirma o desafio assumido por muitos governos, nessa perspectiva
transformadora, atestando que, apesar de necessárias, “as mudanças são difíceis
porque implicam alterar atitudes arraigadas, valores, elementos que acabam
constituindo nossa própria identidade”.
1 – Qual o papel das lideranças na implementação das
políticas públicas orientadas tanto a uma gestão eficaz, eficiente e produtiva
quanto à oferta de serviços de qualidade ao cidadão?
Creio que as lideranças são uma parte das
capacidades que o sistema público necessita para cumprir sua missão, a de
governar para a sociedade, conseguindo níveis de bem-estar crescentes. Nesse
empenho, as lideranças são um elemento importante, mas não único. Também se
deve considerar como se desenham as instituições, se estruturam as organizações
e se elaboram os processos.
As lideranças devem obter para as organizações três
coisas: a visão, a orientação, um sentido de direção; em segundo lugar, a
vinculação das pessoas a essa orientação nos níveis de motivação suficientes;
e, por fim, a capacidade para mudar.
Especialmente quando as mudanças custam e são
difíceis porque implicam alterar atitudes arraigadas, valores, elementos que
acabam constituindo nossa própria identidade. Mudar não é fácil, e uma boa
liderança ajuda as organizações a promover essas transformações. E como os
líderes realizam essas tarefas? Depende de muitas variáveis, em especial o
papel que ocupam no serviço público. Não é o mesmo ocupar, por exemplo, um posto
de direção no Ministério do Planejamento e estar à frente de uma escola pública
de um município, que também precisa de liderança, pois todo grupo humano
necessita disso. São lideranças distintas.
2 – Desde 2001, o senhor tem vindo ao Brasil
discutir a transformação do Estado e a articulação horizontal na gestão de
programas sociais. Segundo sua observação, há como apontar alguma mudança no
processo de condução da administração pública?
Não tenho muitas informações, portanto, falarei de
percepções que disponho a partir de visitas curtas ao Brasil. Quando comecei a
vir já havia aqui uma administração relativamente solidária em relação a outros
países próximos, ao menos no nível federal. O mais me chamou a atenção foram as
reformas produzidas em alguns estados brasileiros, a criação do Consad. Em
nível subnacional ocorrem iniciativas de mudança, como em São Paulo, Minas
Gerais, Bahia. Tudo isso é interessante devido à natureza própria do Estado
brasileiro, pois sem essa articulação não é possível governar.
Venho de um país razoavelmente grande, em relação à
média dos demais, e que, da mesma forma que o Brasil, assusta pela dimensão.
3 – Na Espanha, algumas regiões dispõem de
autonomia. É possível uma comparação com a situação brasileira, em que as unidades
federativas também têm um grau de autonomia?
Sim, é possível fazer comparações. A diferença é que
na Espanha há uma delimitação maior de competências, embora não exista uma
demarcação perfeita. O modelo federativo
brasileiro é de sobreposições de atribuições nos três níveis, um sistema
voluntariamente ambíguo, flexível, mas difícil de manejar como tudo que é
ambíguo.
Na Espanha há também competências concorrentes em
diferentes campos, mas a responsabilidade pelos grandes serviços públicos está
toda nos níveis subnacionais, como educação, saúde e serviços sociais. Além
disso, os tipos de administração são diferentes. Nós temos uma administração
central, orientada a se relacionar com a instância supranacional, Bruxelas, por
exemplo, e a realizar atividades de planejamento, ordenação e regulação do
conjunto, mas não ações de execução, salvo a Defesa Nacional e as funções centrais
de segurança, que estão compartilhadas com os três níveis. Em relação ao
Brasil, na Espanha há um grau de separação maior. Vale destacar uma outra
circunstância diferenciadora: a ordenação dos municípios é prerrogativa do
legislador autônomo, subnacional, que atua com liberdade, mas dentro do marco
de uma lei básica nacional. O Estado central não intervém, a organização de
cada município segue o princípio da autonomia. Temos um modelo federativo mais
jovem, que se deve à necessidade de auto-afirmação das diferentes partes do
sistema, das comunidades autônomas e municípios frente à administração central
e vice-versa, em um nível selo-competencial extremamente elevado. De outro
lado, há também um debate territorial aberto, com claras repercussões políticas
em duas comunidades da Espanha, na Catalúnia, onde eu vivo, e no país basco,
discussão esta que acaba se cruzando no nível federal em torno de temas comuns.
4 – Essa autonomia não confere mais celeridade aos
serviços públicos?A descentralização otimiza a gestão pública?
Sim, pelo menos assim deveria ser, quando as coisas
funcionam bem. Para isso é necessário que os dirigentes disponham de capacidade
e de recursos. A descentralização dos estados necessita de capacidade
institucional, tanto no centro como na periferia. Simplesmente a vontade de
funcionar de maneira descentralizada não conserta nada. Deve-se investir na transferência de recursos
necessários, contar com instituições capazes. Por exemplo, nós compartilhamos o
problema do micromunicipalismo. Na Espanha há mais de 9 mil municípios, sendo
que mais de 8 mil tem menos de 5 mil habitantes. Isso cria carências de escala
e de massa crítica para prover os serviços na periferia. Estou cada vez mais
convencido do papel extremamente importante que os municípios desempenham no
sistema contemporâneo, nesse mundo que é local e global ao mesmo tempo. O papel
dos municípios é insubstituível. Eu concordo com a posição de um político
espanhol que aponta o problema da intolerância social à imigração, um tema da
nossa agenda emergente, já que deixamos de ser 40 milhões para alcançar o
contingente de 45 milhões sem incrementar as taxas de natalidade. Em poucos
anos, chegaram a nosso país cinco milhões de pessoas, dividindo conosco o nosso
espaço vital. Ele dizia ainda que a questão da migração requer tanto diretrizes
e proposições européias quanto decisões políticas locais, pois os problemas
reais derivam dos choques de cultura, da convivência e do uso comum do espaço
público. Isso parece estar faltando. Esses políticos, que atuam na periferia do
sistema, são extremamente importantes na política para enfrentar problemas que
só se resolvem de perto.
5 – Existe
resistência ou receptividade dos dirigentes políticos para mudar a condução das
políticas?
As duas coisas. Segundo recente intervenção do
professor de Harvard, Stevan Kelman, no Consad, há algo que é bastante
elementar, mas que nem todo mundo tem observado: em geral,as organizações, nos
momentos de mudança, costumam interpor resistência, embora também se mostrem
partidárias. É importante tanto detectar as resistências e vencê-las quanto
identificar e mobilizar os partidários da mudança.
Por outro lado, em matéria de transformação, já está
tudo inventado, mas é fundamental gerar a sensação de necessidade e de urgência
para mudar, na qual se exige uma liderança contundente. Além disso, é preciso
utilizar a persuasão, a influência, a convicção, além de outros incentivos. As
pessoas se guiam por essa dupla faceta, que inclui não apenas interesses, mas
valores e princípios. Não é necessário criar discurso, mas incentivos. Deve-se
ainda reduzir o stress que toda mudança acarreta, especialmente quando propõe
uma profunda alteração na mentalidade e na cultura. O difícil é desaprender,
não aprender. Esse momento de transição costuma ser angustiante, pois deixamos
para trás parte de nossa identidade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comentem, da discussão nasce a sabedoria!