Por Renato Faria
Flávio Staudohar, Diretor de Recursos Humanos da Klabin Segall concede entrevista à Revista Téchne e avalia o mercado de trabalho para profissionais da construção e revela o perfil do engenheiro que construtoras e incorporadoras estão buscando!
Flávio Staudohar também foi o primeiro presidente do GRHECI (Grupo de RH das Empresas Construtoras e Incorporadoras).
Com a abertura de capital, as construtoras e incorporadoras - muitas delas empresas familiares antes das ofertas públicas de ações - precisaram remodelar seus departamentos de Recursos Humanos. Esse processo se refletiu também na mudança dos critérios de seleção dos profissionais da construção. "Nós observamos nos engenheiros características muito mais de gestores do que efetivamente de executores", exemplifica o Diretor de Recursos Humanos da Klabin Segall, Flávio Staudohar. "[O profissional que a gente quer] precisa apresentar uma visão de empresário, tornar sua obra um business propriamente dito", completa. Ele explica que é tarefa do RH da empresa detectar, na seleção, essas características comportamentais dos candidatos. As competências técnicas são avaliadas pelo solicitante da vaga, que tem o expertise para a seleção. No que se refere ao desenvolvimento da carreira, Staudohar demonstra sua preferência pelos programas de estágio, em comparação com os de trainees. "O trainee é obrigado a cumprir uma carga horária dentro de um programa de treinamento da empresa. O estagiário tem uma flexibilidade de horário", afirma, lembrando que a empresa oferece maiores benefícios para os estagiários buscarem seu autodesenvolvimento. O diretor de RH da Klabin Segall também vê, atualmente, um momento de re-estruturação dos quadros de funcionários de incorporadoras e construtoras. Na visão de Staudohar, é a hora da verdade para os contratados com salários inflacionados durante a corrida por engenheiros. "Olhe sua contribuição para a empresa, observe sua empregabilidade e tente fazer a diferença", aconselha.
Como funciona o processo de seleção dos profissionais da construção na Klabin Segall?
Aqui na empresa, a gente não diferencia arquiteto, engenheiro ou administrador. Nossa abordagem envolve perguntas comportamentais e uma entrevista técnica, feita sempre por um gestor da área técnica. Assim, nós amarramos o lado comportamental do candidato, via Recursos Humanos, e o lado técnico, via solicitante da vaga, que tem o expertise sobre a especialidade. O RH observa se os valores e comportamentos apresentados pelo candidato são condizentes com os valores da empresa. O solicitante observa o valor técnico do recurso, as experiências passadas dele, a qualificação e seu aperfeiçoamento profissional.
Para a empresa, qual o perfil do engenheiro ideal?
O profissional que a gente quer é o que está constantemente buscando a atualização. Faz uma faculdade, um curso de especialização, um curso de curta duração mais específico, a cada ano se atualizando. Não adianta um profissional que se formou há quinze anos e só fez aquela faculdade, porque seu conhecimento fica defasado. Outro ponto que observamos nos engenheiros são as características muito mais de gestores do que efetivamente de executores. Esse profissional precisa apresentar uma visão de empresário, tornar sua obra um business propriamente dito. Um executor é apenas aquele profissional que vai ao canteiro, recebe a planta, executa a obra, finaliza e vai para outra. O gestor tem que se relacionar muito bem com seu mestre de obras, seus operários, tem que ter capacidade de negociação com fornecedor, tem que ter poder de comunicação para fazer a ponte entre a obra e o escritório de onde saem as diretrizes.
Existem diferenças de perfil entre engenheiros envolvidos com atividades mais técnicas e os envolvidos com atividades mais administrativas?
Talvez o engenheiro administrativo tenha um perfil mais analítico, mais focado em sua atividade. A diferença mais clara entre um engenheiro de obra e um administrativo é a característica de mobilidade, de agitação, de velocidade, de impaciência - este é o perfil muito mais para obra. Aquele profissional mais centrado, ponderado, analítico, não consegue se dar bem em uma obra, na minha opinião.
Há, nas construtoras, mobilidade entre as áreas técnica e administrativa, caso o profissional não consiga se adaptar?
A empresa tem de oferecer oportunidades para que ocorra o job rotation. Há empresas em que não existem muitos cargos e a mobilidade é menor. Essa é a característica do nosso setor. Mas quando nós identificamos no profissional que o que ele está executando não condiz com a vontade ou o desejo de carreira dele, a gente adota algumas posições. Primeiro, sentindo durante todo o tempo sua performance. Não havendo um resultado desejado, há um processo de aconselhamento - sugerindo melhorias, indicando cursos, etc. Se porventura isso continuar e não houver outra oportunidade dentro da empresa, a gente troca. Mas não é muito comum acontecer esse tipo de coisa, pois já no processo seletivo você consegue identificar essas características.
Qual a importância do estágio para um estudante de engenharia?
O estágio é fundamental, é a oportunidade que ele tem de sair "da gramática para a prática". É ali que o aluno vê aplicados os conceitos que vem aprendendo. Ele tem o poder de avaliar se aquilo que viu na teoria pode ou não ser aplicado na prática. Ele toma contato com esse ambiente corporativo, com a necessidade de cumprir algumas regras e de se relacionar com outras pessoas.
Para desenvolver a carreira, qual o melhor programa a seguir: o de estágio ou de trainee?
O estagiário tem uma característica diferente de um trainee. O trainee está obrigado a cumprir uma carga horária dentro de um programa de treinamento da empresa. Eu, particularmente, gosto muito do estagiário, porque é ele que a empresa forma, oferece oportunidades, desafios e projetos. No caso do trainee, ainda existe aquele rótulo no mercado de que eles têm alto potencial para carreira rápida, para se desenvolverem como futuros gestores ou executivos. Cria-se uma bolha dentro da empresa, olham aqueles trainees como potenciais e deixam de olhar os outros funcionários, que podem ter a mesma potencialidade de carreira.
E quais as vantagens dos programas de trainee?
A carga de investimento financeiro da empresa nos trainees é muito grande em relação a outros funcionários da empresa. Normalmente, os programas de trainee têm fases de treinamento muito intensas. Outro aspecto é que há um estigma de que ele tem uma carreira muito rápida, então abrem-se portas para ele numa velocidade muito maior do que para outros que estão dentro da empresa.
Para a empresa, o que é mais importante: que o profissional se atualize com um curso de especialização ou com um mestrado?
Eu adoro a vida acadêmica, ela ajuda a desenvolver conceitos, a pensar de outra maneira, a desafiar o status quo constantemente. Na minha percepção, se você partir para um mestrado, você quer buscar, em sua carreira, uma vida acadêmica. Se você não tem esse desejo de vida acadêmica, mas o de atualização constante, parta para um outro processo: cursos pontuais, seminários, congressos, curso de especialização. Ambas as vias demonstram que o profissional quer se desenvolver, mas existe essa diferenciação.
Como você avalia a eficiência dos cursos ministrados à distância no aperfeiçoamento do profissional?
Eles agregam, desde que façam parte de um trabalho que envolva o presencial e o eletrônico. A interação com o ser humano é fundamental. A presença num ambiente com professor, monitor, colegas é muito importante. Promove relacionamento, troca de experiência, debate sobre aquele tópico que aparece na tela.
Mesmo com as aulas sendo ministradas via bate-papo ou videoconferência?
Fóruns de discussão à distância são perfeitamente aceitáveis em minha opinião, porque há pessoas conversando, mesmo que por meio de uma máquina.
O "nome" da faculdade é importante na seleção de candidatos?
De maneira nenhuma a empresa discrimina candidato por sua escola de origem. Mas faculdades de ponta são aquelas em que a gente sabe que houve uma preocupação de exigir do aluno trabalhos profundos, que incentivaram a realização de estágios, de estudos no exterior, de idiomas. Enfim, são instituições de ensino que permitem a identificação de profissionais ou estudantes que tenham essa preocupação. Nós encontramos no mercado algumas com esse nível de exigência, outras, infelizmente, não.
Como as empresas do setor de construção podem estimular o processo criativo dos funcionários, principalmente no meio técnico, que exige muita inovação?
Gerando oportunidades para as pessoas se exporem. Se você não cria canais de comunicação, aberturas para propostas e idéias, vai ter uma empresa sempre executora e com prazo de validade muito curto. Se você tem uma empresa que permite fluir a comunicação, gerar exposição para os funcionários, criar mecanismos de trocas de informações, encontros, seminários, você pode despertar a criatividade no ser humano. É fundamental um ambiente de livre fluxo de informações, de vontades, iniciativas, discussões, questionamentos, benchmarking.
Como vocês trabalham isso aqui?
Aqui na empresa, proporcionamos encontros mensais entre os engenheiros. Participamos de fóruns, temos uma interação com outros players do mercado. O mercado da construção tem essa característica - ao mesmo tempo, as empresas são concorrentes e parceiras.
Qual o tempo médio para a promoção de um engenheiro?
Ele está amarrado à entrega do seu resultado. Se você pega um engenheiro de obra, normalmente a duração da execução de um empreendimento é de cerca de 30 meses. Durante esse período, ele está focado na realização do seu trabalho. Então, começa-se a pensar uma promoção, em média, a cada dois anos e meio, três anos. A promoção segue uma linha - um engenheiro júnior começa com uma obra mais simples; segue para uma obra de nível de dificuldade médio como engenheiro pleno; numa obra mais complexa, já é um engenheiro sênior. Num grupo de obras, é um gerente de contratos, até chegar numa posição mais elevada na empresa.
O que mudou na área de Recursos Humanos das construtoras que abriram seu capital?
O segmento tinha uma característica de ser muito fechado, com empresas familiares. Com a abertura para o mercado, elas partiram para uma nova "cara" e buscaram uma profissionalização maior. Essa profissionalização exigiu a presença de algumas profissões vindas de outros mercados. O RH nessas empresas familiares era apenas um Departamento Pessoal, subordinado à Diretoria Administrativa. Era um RH de contratar, pagar e demitir. Quando partimos para um movimento de profissionalização, precisávamos de novas ferramentas de gestão. O profissional [de RH] vindo de outro segmento, querendo informações de um mercado em profissionalização, encontrava muitas informações distorcidas, outras escondidas ou que não podiam ser divulgadas.
Como foi a adaptação?
Para quebrar esse movimento, três empresas - Klabin Segall e outras duas - se uniram para tentar entender o segmento na nova fase de sua vida. Então, criou-se um grupo de RH chamado GRHECI (Grupo de RH das Empresas Construtoras e Incorporadoras), que já tem mais de um ano e do qual já participam 17 empresas. No primeiro ano, eu fui o presidente; hoje há outra pessoa no cargo. Esse grupo se reúne mensalmente para compartilhar práticas, modelos, informações e projetos específicos de RH. Por exemplo, existe uma comissão que cuida de remuneração, faz pesquisas de salários dentro das próprias empresas do grupo. Então, temos a nossa pesquisa para saber as práticas de salário dos players desse segmento.
Como membro do GRHECI, como você avalia o comportamento das construtoras naquela corrida do mercado em busca de engenheiros?
Avalio dois momentos muito bem distintos: o primeiro, da bolha, em que as empresas saíram para o mercado caçando profissionais de maneira predatória, desequilibrada. O segundo momento, que é o atual, é um momento de adequação e consolidação da estrutura. Agora, as construtoras começam a formatar sua estrutura de acordo com seu business, suas necessidades de entrega dos empreendimentos e dos compromissos assumidos. Há uma readequação de salários e benefícios. O divisor de água entre as duas fases foi justamente o agravamento da crise do mercado global.
Como as empresas do setor da construção estão se planejando para 2009 em relação a contratações e demissões?
Nas incorporadoras, eu vejo uma queda bastante acentuada de contratações, mas não diria que há um movimento acentuado de demissões. Agora, as construtoras precisam honrar os compromissos assumidos pelas incorporadoras. As obras estão efetivamente em andamento e, por isso, as construtoras têm um espaço ainda para contratações.
Qual sua opinião sobre os patamares salariais estabelecidos pelo mercado nessa corrida?
Os altos salários foram influenciados pela emoção do mercado. O que acontece agora é que eles começam a atingir patamares mais consistentes com a realidade do mercado local. Percebe-se claramente que a bolha inflacionária de salários está numa fase já "murcha". Hoje, as exigências dos profissionais nos seus momentos de negociação são bem menos agressivas e muito mais realistas.
Qual a realidade para os profissionais contratados com salários inflacionados?
Reduzir salário não é possível. Aumentar os desafios? Isso é uma constante, algo que o profissional deve sempre imaginar que vá acontecer na vida dele. A pressão por resultados, por desenvolvimento e para transformar a crise em oportunidade sempre vai existir. Alguns altos salários são justificados pela própria contribuição do profissional. Outros realmente sofreram inflação, e agora é a hora da verdade.
Que conselhos você dá para os profissionais que enfrentam essa "hora da verdade"?
Olhe a sua contribuição para a empresa, observe a sua empregabilidade e tente fazer a diferença. Porque se foi contratado, valorizado daquela forma, é porque alguma diferença faz, fez ou fará. Então, mantenha essa diferença. Veja o que precisa ser feito para efetivamente atingir uma alta performance, busque o autodesenvolvimento e contribua para o negócio na mesma moeda que você vale.