"Como podem as rãs discutirem
sobre o mar se nunca saíram do brejo? Como poderei falar do céu com o pássaro
do verão se está retido em sua estação? Como poderei falar com o sábio
sobre a vida se é prisioneiro de sua doutrina?" - Chuang Tsé - IV AC
Há umas décadas atrás, a área de RH passou a ser entendida como composição de dois núcleos distintos, Administração de Recursos Humanos e Desenvolvimento de Recursos Humanos. Como Administração de RH, entendem-se as atividades que tem no fundamento legal suas bases e, como Desenvolvimento de RH, entende-se como o “laboratório” de projetos de gestão de pessoas. O núcleo de Administração de RH tem como escopo principal o processamento da folha de pagamento, o recolhimento de impostos e de encargos sociais, a organização da documentação e registro de empregados e, em muitas empresas, a organização das atividades de Medicina e Segurança do Trabalho. Já o núcleo de Desenvolvimento de RH tem como escopo principal o processo de criação com sustentabilidade técnica e respeitando, quando necessário, as questões legais. Em função das questões legais que envolvem o trabalho, da administração das relações sindicais e do avanço da tecnologia, o núcleo de Administração conseguiu a evolução profissional e técnica de seu povo e se mantem "antenado".
Em Desenvolvimento
as porteiras estão sempre abertas para ideias e projetos em Treinamento,
Recrutamento e Seleção, Remuneração, Comunicação e Benefícios e temas
pertinentes. Com a prática “aloprada” da reengenharia e de outros gurus da
década de 90, organogramas vieram abaixo. Nem me atrevo a comentar da
reengenharia da reengenharia, que ocorreu alguns anos mais tarde, quando,
notadamente, empresários brasileiros empenharam fortunas para recuperar
fortunas empenhadas.
Com essas e outras, as
atividades de Treinamento e Recrutamento e Seleção foram as primeiras a
sofrerem o processo de outsourcing, ou seja, terceirização. Profissionais
dessas áreas, formados em longos anos de batalha diária, tornaram-se ou
empregados de consultoria ou prestadores de serviços para as empresas de
origem. Muitos e bons profissionais de Remuneração também debandaram. A área de
Desenvolvimento ficou reduzida ao mínimo necessário no entender de cada
empresa. Profissionais que antes lidavam com o dia a dia de suas empresas e
desenvolviam suas ideias e seus projetos através de conhecimento próprio e/ou
empírico, pesquisas na web (quando surgiu) e/ou em literatura disponível e
cursos realizados, hoje não mais existem na maioria das empresas. Em
compensação, a disposição do RH para organizar festinhas de celebração de
“tempo de casa”, aniversariantes do mês, confraternização de final de ano e
convescotes afins continuam a todo vapor.
Basta frequentar qualquer rede social
de RH e reparar quando o assunto é o entendimento de uma questão legal da área
trabalhista, proliferam participações e troca de opiniões e o interesse em
entender o tema é notório. Muitos debatem e participam. Agora, basta colocar um
tema de Desenvolvimento para debate que a frequencia de participantes é mínima
com um ou outro comentário e, passados dois, três dias o assunto morre.
Por que o povo de
Desenvolvimento não debate? Mesmo nas redes profissionais taxadas como de alto
nível, os grupos formados no segmento de RH pouco debatem. O que mais se vê são
psicólogas recem formadas desesperadas pedindo soluções imediatas para assuntos
complexos de gestão de pessoas. Certa vez comentei que o Conselho Federal de
Psicologia deveria incluir no currículo de formação todos os sub processos de
RH. Assim, quem sabe, diminuiria a “síndrome dos pedintes”. Vemos pedidos
simplórios como “modelo de carta de comunicação de aumento salarial” até “meu
chefe mandou implantar o RH. Como começo?”. A justificativa que agora embasa os
pedidos é para fazer “benchmark”. Pode-se fazer
“benchmark” de modelo de carta?
Há pouco tempo atrás, através de
pesquisas e viagens na web, editei um post resgatando um artigo escrito em 1979
em um Congresso de RH realizado na cidade de Florianópolis, que se repetiria em
1982 na cidade de Goiânia.. O autor do artigo e da palestra é o hoje consultor
César Souza, na época Assessor da Presidência da Odebrecht. O título? Vamos demitir
o Gerente de RH. Indo alem do título provocativo, o que César pregava era uma
nova postura em gestão de pessoas. Um novo padrão de gerente e de gestão de RH.
Boa parte das ideias do David Ulrich, o principal guru de RH da atualidade,
estão ali expostas. Há 30 anos atrás.
Há alguns dias, postei o artigo em uma
rede esperando um bom índice de participação e debates e nada. Nenhuma opinião
a respeito. Presumo que muita gente acessou o link para ler o artigo atraído
pela provocação do título. Participo, mais como leitor do que como “opinador”,
de muitos grupos de RH da América Latina e da Espanha. A participação em
qualquer assunto é intensa. O que aconteceu com os nossos profissionais de
Desenvolvimento que raramente expõem suas opiniões de maneira clara e objetiva? Creio
que o empobrecimento do RH tem como ator principal o dirigente que nada exige
e/ou desconhece o que poderia ser feito e como ator coadjuvante o RH passivo
que acha ótimo quando o “chefe manda implantar o RH”. Pode-se um dia falar em
RH estratégico em uma empresa como essa?
Comentário Incidental: Hoje em dia rótulos separam e classificam pessoas e
gerações em categorias e gurus ensinam como administrá-las. Geração X, Y, Baby
Boomers e/ou Slacker. Termos utilizados para demografia, ciências sociais e marketing, agora utilizados em gestão
de pessoas. Tratando-se da Geração Y, o ápice da atualidade, será que todos os
formandos recentes tem um comportamento típico da categoria em que foram
enquadrados? Todas as universidades preparam, desenvolvem e formam uma Geração Y?
Uma universidade que não permite a formação de centros acadêmicos para
impedir/minimizar a mobilização estudantil pode formar uma geração engajada e
com senso crítico? A universidade tem a
obrigação suprema com a sociedade, de gerar talentos humanos alinhados e
preparados para o mundo, com poder de ingerência e capacidade de transformação
da realidade econômica, social, cultural e tecnológica atual e emergente.
O núcleo de Desenvolvimento de RH deve ser,
essencialmente, um Facilitador (termo emprestado dos processos de gestão da
qualidade) e possuir inteligência aguçada para todas as coisas. Deve
fazer do conhecimento sua maior competência e estar sempre disposto à aquisição
de novos saberes, à ampliação da criatividade e à percepção de ideias e novas oportunidades.
Novos saberes podem propiciar a reformulação de conhecimentos anteriores mal
estabelecidos. Deve participar ativamente da ampliação da competitividade da
sua empresa, romper com passados que não retornarão mais, construir ambientes e
cenários favoráveis ao seu crescimento e ao crescimento coletivo e abandonar
comportamentos autoritários. Deve, ainda, aprender diariamente com os demais
colegas de trabalho, entendendo que a qualidade tem importância primordial para
si e para a empresa. Deve aproveitar a mesmice e a escassa literatura e
desenvolver novas concepções e metodologias em todos os sub sistemas de gestão
de recursos humanos/pessoas.
Carlos Alberto de Campos Salles
Consultor de Recursos Humanos
Aposentado e sempre Independente
Aposentado e sempre Independente